Luzias
Quase duas semanas depois da catástrofe provocada pela Vale em Brumadinho, o acabrunhamento não passa. Há tantas perguntas sendo feitas, mas a principal delas ninguém consegue responder: como uma empresa do porte da Vale, maior mineradora do planeta, com acionistas do mundo inteiro, administra tão mal, de maneira tão irresponsável, um empreendimento como o da Mina do Feijão? Um comportamento inexplicável, porque qualquer que seja o ângulo que se analise o que aconteceu em 25 de janeiro de 2019 no coração de Minas Gerais, a constatação é que todo mundo perdeu: tantos morreram, tantos desapareceram, um rio inteiro morto, centenas de animais tragados pela lama, trabalhos paralisados, destruição de povoados, transtornos psíquicos dos moradores que sobreviveram, falta d’água, ameaça de doenças, como a febre amarela, e o persistente sentimento de revolta contra a Vale, que terá de gastar bilhões de reais tentando reparar o irreparável. Para muitos mineiros, a empresa já estava desmoralizada, pois mais de três anos depois da catástrofe de Bento Rodrigues, em Mariana, a mineradora não conseguiu equacionar os problemas causados pela sua subsidiária, a Samarco – surgida da associação da Vale com a gigante anglo-australiana BHP Billinton – naquele 5 de novembro de 2015.
“Orai e vigiai o que restou das Minas”, escreve a analista econômica Rita Mundin nessa crônica, apresentada pela Rádio Itatiaia, dando a senha para a única ação que pode resultar no controle da mineração pela população: a vigilância, de forma que não continuem com seu rito de destruição, fazendo, inconsequentemente, o que bem entendem. Há poucos dias, reproduzimos aqui, no Luzias, um artigo do Dom Walmor, arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, pedindo a união dos mineiros, para impedir que a mineradora AVG volte a retirar minério da Serra da Piedade (“Dom Walmor pede que mineiros se unam contra destruição da Serra da Piedade”). Milhares de pessoas acessaram e leram o que o arcebispo escreveu – foi a matéria mais lida da história do Luzias -, mostrando o quanto a Serra da Piedade representa para todos nós. O que precisamos fazer é nos unirmos e vigiar. Só assim vamos impedir que a mineração, responsável por desfigurar boa parte da Serra, volte com sua sanha destruidora.
Veja o estrago que uma empresa chamada Brumafer fez na encosta da Serra da Piedade:
Leia a crônica de Rita Mundin:
Resolvi terminar as minhas férias na Bahia. Na quinta-feira, 24 de janeiro, conversando com uma paulista e uma mineira de Uberlândia, vizinhas de ócio e de barraca, ao dizer a elas que era mineira, a paulista disse que havia mineiro para todo lado nesse país. E completou: principalmente onde tem minério tem mineiro. Ri e achei interessante. Falamos de Carajás, de Vitória, de Itabira e, é claro, de Drummond. E de Nova Lima, onde eu moro, cercada por minas. Minas que carregamos no nome: Minas Gerais.
Já nascemos mineiros. Nossa história passa pelas riquezas das minas, que tanto entristeceram o coração de Drummond. Espalhadas pelos gerais, que tanto encantaram os olhos e a poesia de Guimarães Rosa. Assim como disse a paulista que, onde tem minério tem mineiro, nós mineiros sabemos que aonde tem minério tem, antes de tudo, montanhas, águas claras, nascentes, cachoeiras. E depois, temos vales e rios. Se percorrermos os nomes dos nossos municípios, conseguimos entender as nossas origens. E, hoje, nossos conflitos. E até a nossa dor.
Temos Montes Claros, Monte Alegre, Belo Vale, Campo Belo, Campo Florido e Mata Verde, Temos Poços de Caldas, Sete Lagoas, Lagoa Santa, Lagoa Formosa, Lagoa da Prata, Lagoa Dourada, Lagoa dos Patos. Temos Biquinha e Riachinho. Cachoeira da Prata, Cachoeira Dourada, Cachoeira do Pajeú, Carmo da Cachoeira, Carmo do Rio Claro. Ah, os rios! Os rios são muitos. Temos municípios em homenagem ao Velho Chico. Temos São Francisco, temos Paraopeba, terra de Clara Nunes que, se estivesse viva, estaria, assim como todos nós, mineiros, chorando, a tragédia de seu rio.
Temos Rio Doce e Alto Rio Doce que, como diria o poeta, já não é tão doce assim. Temos Rio Novo, Rio Acima, Rio Pardo, Rio Vermelho, Rio Manso, Rio Preto, Rio do Prado. Mas temos também Ouro Preto, Ouro Branco, Ouro Fino, Lavras, Minas Novas, Prata, Turmalina, Cristais, Ferros, Carbonita e Cascalho Rico. “Minas são muitas”. Garimpar, minerar faz parte do nosso DNA, da nossa história, porque foram e são uma das principais fontes de receita da nossa economia.
Garimpar, minerar, trabalhar com recursos minerais e naturais não é crime. Incorporar a natureza ao processo produtivo com o intuito de melhorar a qualidade de vida não é crime. Crime é exercer qualquer atividade produtiva, principalmente em pleno século 21 – o século do conhecimento, da tecnologia e da transparência sem um dos princípios básicos de governança corporativa: a sustentabilidade. Um negócio, qualquer que seja ele, só é sustentável se respeitar o meio ambiente e a sociedade na qual está inserido.
Em homenagem aos mortos em Mariana, Brumadinho e em outros crimes ambientais ao longo da nossa história e a todos aqueles que perderam seus entes queridos, seus sonhos, em respeito à fauna e à flora que foram destruídas, às vezes, de forma quase irrecuperável, deixo aqui a minha solidariedade mineira. E a cada um de nós que ficamos faço um apelo: orai e vigiai o que restou das Minas e, principalmente, dos Gerais.
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