História da ponte sobre o Rio das Velhas ligando parte alta e parte baixa da cidade

História da ponte sobre o Rio das Velhas ligando parte alta e parte baixa da cidade
Ponte de madeira erguida em 1810, com a estação ferroviária de 1893 ao fundo. A foto é do século 20

Gustavo Villa e Isaac Daniel, Luzias

O arraial de Santa Luzia surgiu às margens do Rio das Velhas, no início do século XVIII, com a vinda dos primeiros bandeirantes, dentre eles, José Correia de Miranda, que se estabeleceu na atual região da fábrica da Cecrisa.

Com as enchentes sazonais, o núcleo do arraial teve de ser transferido para uma elevação onde hoje está o centro histórico da cidade. Com esta mudança para a outra margem, o arraial ficou dividido pela barreira natural do Rio das Velhas e logo fez-se a necessidade de construção de uma estrutura que ligasse os dois núcleos.

Até o momento, a fonte mais antiga indica um reparo na estrutura de madeira da ponte em 1782, feito pelo arrematador Pedro Henriques, que estabeleceu uma quantia de 269 contos de réis pelo serviço. O documento está disponível no Arquivo Público Mineiro, na sessão da Câmara de Sabará.

Nas proximidades de Santa Luzia, o Rio das Velhas corre sobre um terreno de pouca elevação e nos anos de maior precipitação, o curso d’água extrapola a sua caixa, causando sérias inundações.

Documento datado de 28 de Dezembro de 1782, sobre o reparo da ponte de Santa Luzia, pode ser o mais antigo

Três anos sem ligação entre as margens
Em 2 de Janeiro de 1807, a ponte original foi levada pela inundação e ao que parece a cidade ficou por pelo menos três anos sem ligação entre as margens como mostra o relato de um Vereador da Câmara de Sabará em 1810:

“…Sendo manifesto que a ponte sobre o Rio das Velhas defronte da Vila do Sabará, e a ponte de Santa Luzia sobre o mesmo Rio na extremidade deste Arraial, demolidas infelizmente pela inundação do ano de 1807, eram aquelas, que feitas de novo concorreriam mais para o abastecimento destas e outras povoações orientais da Comarca, e para a prosperidade das indústrias do país. O Desembargador Ouvidor da Comarca, Basilio Teixeira Cardoso de Saavedra Freire, considerenando que estas obras públicas eram tão urgentes, como superiores as faculdades do Conselho, pediu ao Governador da Capitania autorização para efetuá-las por subscrição…”

No dia 15 de setembro de 1810, algumas autoridades se reuniram na fazenda da Jaguara e redigiram um manuscrito destacando a importância da reconstrução da ponte de Santa Luzia e os prejuízos que a ausência desta estrutura causava aos interesses públicos e privados.

Papel importante na Revolução de 1842
No amanhecer de 20 de agosto de 1842, a ponte velha de Santa Luzia foi o palco do primeiro combate da Batalha entre os Liberais e Legalistas e serviu de rota de fuga para os primeiros que a cruzaram no fim do dia, em direção à estrada da Carreira comprida.

Antigas estruturas submersas: em 1868, o explorador inglês Richard Burton fez referência às chuvas que, em 1810, derrubaram a ponte

Em 8 de agosto de 1867, o explorador inglês Sir Richard Francis Burton, descendo o Rio das Velhas na sua precária embarcação de nome Elisa faz a seguinte descrição da estrutura: “…A ponte tem o aspecto usual; comprida e encurvada, com doze armações ou cavaletes, alguns dentro da água, outros fora dela, mostrando que as inundações são grandes aqui; desapareceu uma ponte mais antiga. As vigas raramente se elevavam à altura suficiente, e uma inundação excepcional as arrastou deixando simples estacas fincadas no leito e perigosas traves debaixo da água. Estas terão de ser removidas, para que o rio possa tornar-se navegável com segurança…”

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Burton se refere à terrível enchente de 1810 que derrubou as pontes de Sabará e Santa Luzia deixando as antigas estruturas submersas.

Dois anos depois, o periódico Noticiador de Minas relatou a viagem inaugural de ida e volta de Sabará à Jaguara do vapor Saldanha Marinho, com 28 metros de proa a popa e 4 de largura, pesando 30 toneladas.

O vapor, capitaneado pelo Sr. Henrique Dumont, pai do famoso Santos Dumont alcançou a ponte de Santa luzia precisamente às 9:30 da manhã de um sábado, 10 de abril de 1869: “…Com 3 horas e 20 minutos a contar da partida de Sabará, chegou-se à ponte de Santa Luzia; os pequenos lanços desta ponte e a desfavo- rável direcção do canal offerecerão alguma dificuldade na passagem porque o barco abalrroou em um esteio e com 16 minutos de demora para desembarcar alguns passageiros e passar a ponte continuou a marcha…”

Vapor Saldanha Marinho que passou sob a ponte em 10 de abril de 1869

Em 6 de abril de 1881, as margens do Rio das Velhas foram devidamente ornamentadas para receber a ilustre visita do Imperador D. Pedro II.

No dia 11 de maio de 1886, o periódico ouropretano A Província de Minas destacou uma matéria a respeito da Ponte velha de Santa Luzia: “…O senhor Manoel Teixeira: Manda à mesa, para ser renviada à comissão competente, uma representação da Câmara Municipal de Santa Luzia, pedindo a esta Assembleia a decretação da quantia de 10:000$000 para concertos urgentes na ponte denominada – Ponte Grande – sobre o rio das Velhas no respectivo município. – As comissões de pontes e estradas e 2ª de fazenda…”

Em 1893 foi construída a Estação ferroviária de Santa Luzia que acentuou a importância da futura Rua do Comércio nas imediações da ponte, acrescentando um novo elemento ao conjunto arquitetônico local.

Ainda neste ano, foi a vez do periódico Minas Geraes denunciar a necessidade de manutenção na es- trutura da velha ponte: “…Transmitiu-se ao engenheiro da 2ª circumscripção o ofício da Camara Municipal de Santa Luzia, representando sobre mau estado da ponte grande sobre o rio das Velhas, naquela cidade…”

Ao que parece, a antiga ponte presenciou a virada do século em um estado precário de preservação. Na fotografia abaixo aparecem os doze cavaletes descritos por Richard Burton em 1867.

Documento importante sobre a atual ponte, feita de cimento

A PONTE DE CONCRETO NO SÉCULO XX
Com a chegada dos veículos automotores no início do século, a frágil ponte de madeira que não havia sido projetada para o tráfego dos pesados caminhões que transportavam lenha para a capital mineira, começou a sofrer um desgaste inevitável apesar da excelente estrutura que apresentava como demonstra o Ofício a se- guir, assinado pelo Engenheiro do Estado.

É interessante notar que em 1955 a cidade de Santa Luzia já apresentava uma certa escassez de madeira para a construção de uma nova estrutura e a solução foi encontrada no concreto.

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A construção da atual ponte, foi feita entre os anos de 1951 a 1955 a pedido da Secretaria de Viação e Obras, inicialmente pela Construtora Alcasan, que executou parte das obras até entregá-las a Prefeitura de Santa Luzia em outubro de 1952.

O contrato assinado com a Alcasan previa que a nova ponte deveria ser entregue em 10 meses, porém apenas um mês após a assinatura do contrato as obras foram suspensas a pedido do Tribunal de Contas. A suspensão das obras durou cerca de 13 meses, até abril de 1952. A ponte antiga de madeira só começou a ser desmontada em 1955 e parte de sua madeira foi reaproveitada na reforma de outra pontes do município.

A ponte, que foi construída entre 1951 e 1955, hoje está interditada para veículos pesados

Alguns anos após a construção, a estrutura da Ponte grande começou a apresentar anomalias, como pode ser visto num ofício da Secretaria de Viação e Obras ao Governador em 25 de agosto de 1961: “Tendo sido constatado, por engenheiros do DER que estão trabalhando na região, um acentuado abatimento na estrutura da ponte sobre o Rio das Velhas, dentro da cidade de Santa Luzia, motivado certamente pelo fato de estar sendo efetuada pouco a jusante do local a dragagem de grande quantidade de material para mineração, venho transmitir a V.Exa. a advertência que me foi feita, uma vez que a própria segurança da obra parece ameaçada.”

A situação da ponte parece não ter evoluído muito na década de 60, pois em um pedido do Prefeito de Santa Luzia, Dr. Osvaldo Ferreira, para o Secretário da Viação e Obras Públicas em 1967 o mesmo alerta foi feito: “Venho, através desta, fazer um apelo a V.Exa. no sentido de que seja enviado, com urgência, um técnico a esta cidade a fim de verificar os abalos sofridos pela Ponte Grande sobre o Rio das Velhas. Na oportunidade pedimos também mandar verificar a contínua retirada de cascalho e areia em suas margens próximas a citada ponte.”

Apesar dos relatos darem como causa a dragagem de ouro, areia e cascalho que ocorria no Rio das Velhas, um laudo técnico de 1963, aponta que este não era o motivo do abatimento da Ponte Grande.

Draga que revirou o leito do Rio das Velhas até o início dos anos 80

Na segunda metado do século XX duas novas pontes foram erguidas nas proximidades e a Ponte Velha de Santa Luzia, em suas três versões que remontam a quase 300 anos foi aos poucos sendo poupada do trânsito pesado.

A estrutura atual permanece utilizável embora apresente um visível afundamento do piso. Apesar disso se mantém como testemunha dos milhares de seres humanos que a atravessaram em todo esse tempo, unindo as duas metades da tricentenária Santa Luzia do Rio das Velhas.

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5 Comments

  • Felicíssimo
    16 de agosto de 2019, 23:27

    Nos meus tempos de criança, ouviaos "velhos" de taquarassu de baixo dizerem que a enchente do inicio do século XIX, ter destruído uma capela barra do rio taquarassu, hoje este local pertence ao município de jaboticatubas.

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  • Elzira Divina Perpétua
    17 de agosto de 2019, 17:27

    Que delíciosa matéria sobre parte importante da história da nossa cidade! Acho que o Luzias presta um importante serviço à população trazendo um pouco da memória luziense para nosso conhecimento. Obrigada, Maya.

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  • Denis Gerais
    18 de agosto de 2019, 00:09

    Acho uma vergonha o estado da ponte velha, mas o pior é saber que temos uma novinha, moderna que está inutilizavel, feita nos padrões da engenharia moderna, pote- viadulto, e pelo jeito irá ficar abandonada, até o calixto resçulcitar e resouver a questão do viadulto mal construido, assim poderemos usar a ponte nova e linda como ficou, Santa Luzia, é uma cidadeque não me merece, se eu pudesse teria escolhido ter nascido em outracidade, menos nessa, que gastam 03 meses para fazer uma cabeça de ponte (a ponte da Ortocrim) Imagina arrumar a ponte velha, enquanto a coita resistir, assim ela existirá, no dia que cair, aí sim esse não será reconstruida nunca mais.

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