Quem foi o dono da fazenda que Santa Luzia quer transformar em um parque?

Quem foi o dono da fazenda que Santa Luzia quer transformar em um parque?
Vicente de Araújo nasceu em Dores do Indaiá, em 1912. Morreu em Belo Horizonte, em 1976. Foto: Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia

Luzias

Sempre  intrigou o fato de Vicente de Araújo ter sido uma figura tão importante em Minas Gerais e restar tão pouco documentado da sua vida e do seu legado como banqueiro, fazendeiro, humanista e homem de fé católica inabalável. Teria sido essa sua religiosidade que fez com que comprasse a fazenda, à beira do Rio das Velhas. Dizem que tinha um parente com problemas nos olhos e veio pedir a intercessão da padroeira da cidade. A história é contada por moradores antigos, que exaltam o caráter caridoso, a profunda generosidade e total empatia do banqueiro com Santa Luzia.

Se estivesse vivo, seguramente ficaria do lado dos moradores na luta que vêm travando para transformar o terreno da antiga fazenda, de 498 mil metros, no Parque Vicente de Araújo. De um lado, está a Prefeitura, que tem feito tudo para que seja aprovado o projeto da Emccamp Residencial de construir na área um imenso empreendimento imobiliário, com quase 600 lotes. Do outro, os que vivem na cidade e querem transformar o local num  parque, preservando sua vegetação original de mata Atlântica e presenteando o município com uma área de lazer espetacular.

Vicente colhendo flores com a filha, Marília. Foto: Revista O Cruzeiro, de 1968, publicada na página da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia no Facebook

Quem era Vicente de Araújo?

Essa disputa trouxe à tona uma pergunta que poucos na Santa Luzia de hoje sabem responder. Quem foi Vicente de Araújo? Num artigo publicado nesta semana na página da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, Beto Mateus sacia  essa curiosidade: “Vicente de Araújo nasceu em Dores do Indaiá em 1912, filho de Godofredo de Araújo e Maria das Dores Carneiro de Araújo. Por parte de pai era neto de José Pedro de Araújo Lima (Juca Lima), família com grande atuação comercial no centro-oeste mineiro. Sobrinho de José Oswaldo de Araújo (ex-prefeito de BH) e primo de José de Magalhães Pinto (ex-governador de MG), Vicente tinha como irmãos Osvaldo, Milton, Antônio, Lafaiete, Almir e Hélio, atuantes no ramo financeiro e donos de fazendas.”

Vicente de Araújo, o grande beifeitor de Santa Luzia. Foto: ACCSL

Foi junto com o irmão Osvaldo que comprou, na década de 1950, o Banco Mercantil de Minas Gerais, fundado por empresários de Curvelo em 1943, que se transformaria com os irmãos Araújo no poderoso Banco Mercantil do Brasil.  Mais tarde, depois da morte de Vicente, em 17 de dezembro de 1976, vários grupos familiares passaram a disputar na justiça o controle do banco. A sede do Mercantil em Belo Horizonte, na Rua Rio de Janeiro, está instalada no Edifício Vicente de Araújo.

Foto publicada na página do Facebook da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia

A compra da fazenda em Santa Luzia

Em seu artigo, Beto Mateus afirma que “alguns luzienses antigos contam que Vicente teria adquirido a primeira parte da fazenda do ex-prefeito e empresário Emílio Bernardo Zeymer, que tinha uma grande extensão de terras às margens do Rio das Velhas. Na época, de uma mata fechada foi extraída grande quantidade de lenha para as caldeiras da Fábrica de Sabão, localizada no bairro da Ponte.”

Emílio Zeymer, como era conhecido, foi prefeito nomeado de Santa Luzia de 1936 a 1939. Era um homem próspero e pioneiro: a Fábrica de Sabão foi a primeira indústria instalada na cidade, em março de 1903. E ele teria vendido, na década de 1940, a fazenda para Vicente de Araújo, casado com dona Zulma Guimarães, com quem teve quatro filhos: Sérgio, Renato, Silvio , Marília, Vera e Maria Dulce.

Foto publicada na página da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia

Na sexta-feira da paixão, leite era distribuído de graça

Na fazenda de frente para o Rio das Velhas, naquele tempo com abundância de água e peixes, foi construída a segunda piscina da cidade, escreve Beto Mateus, lembrando do benfeitor que ficou na memória dos luzienses mais velhos.  Havia um grande pomar, “de onde partiram frutas, legumes e verduras para instituições como o Hospital de São João de Deus e o Instituto São Jerônimo(asilo). Nas sextas-feiras da Paixão, como de costume, a produção leiteira das vacas holandesas era distribuída gratuitamente.”

 Nessa relação estreita que mantinha com Santa Luzia, Vicente demonstrava uma generosidade infinita. Costumava ir à missa de domingo na Igreja Matriz e fazia doações em dinheiro para a festa de Santa Luzia e para Semana Santa.  Chegou a ser paraninfo de várias turmas de estudantes. E estava sempre fazendo doação para as escolas da cidade. Também recebia grupos de alunos, que iam excursionar em sua fazenda. Recebia a todos de maneira amiga, fazendo com que se sentissem muito à vontade.

A relação das senhoras e senhoritas da cidade integrantes da comissão organizadora da Festa. Foto: Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia

O ex-vereador e fazendeiro Álvaro Diniz conheceu muito bem a fazenda no tempo em que ela produzia, diariamente, quase mil litros de leite, vendidos para a cooperativa de Santa Luzia. Ele tem ótimas recordações de Vicente e lembra-se de ter visto Magalhães Pinto lá – “ele era carequinha”. Álvaro é um dos que veem com enorme preocupação o projeto Cidade Jardim, que a Emccamp Residencial tenta implantar na velha fazenda. “Um absurdo!” É como ele define o empreendimento.

Uma nova força na Cidade

Depois de ter ido embora de Santa Luzia, recorda o jornalista Wagner Penna, Vicente de Araújo chegou a discutir com o então prefeito da cidade, João Bosco Tibúrcio de Oliveira(1971-1973), a instalação no terreno da fazenda de um campus da Universidade Católica. A ideia não prosperou devido à infindável burocracia do Ministério da Educação, em Brasília.

A antiga sede da fazenda encontra-se nesse estado. Ainda se pode ver marcas dos incêndios criminosos no local. Foto: Heli Lara Lima, publicada na página da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia

Desde então, o terreno, que teria sido usado pelas tropas de Caxias durante da Revolução de 1842, permanece lá, aparentemente abandonado.  Não há uma das construções da fazenda de pé. Nem mesmo a bonita casa principal. Tudo parecia parado no tempo até surgir, há sete anos, a Emccamp Residencial com seu mega projeto.

Os moradores querem transformar a antiga fazenda, com seus coqueiros Macaúbas, em um parque. Foto: Google Maps, publicada na página da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia

O que essa empresa quer fazer é tão polêmico, que nesse tempo todo, mesmo com total apoio da atual administração e da Câmara Municipal, não conseguiu a aprovação de seu projeto até hoje. Inacreditável que, depois de tantos anos e de ter sido aprovado em várias comissões da Prefeitura, ainda não tenha sido concluído o EIV – Estudo de Impacto da Vizinhança, que vai estabelecer como a cidade seria realmente afetada pelo empreendimento.

A parte positiva dessa história está no nascimento do Salve Santa Luzia, um movimento da sociedade civil que chegou com a disposição de lutar para impedir que a cidade continue a crescer tão desordenadamente. Seus integrantes querem que os moradores sejam ouvidos e que haja um basta nessa invasão de empreendimentos imobiliários, levados adiante na cidade sem estudos de impacto e sem oferecer qualquer contrapartida.

Vicente de Araújo em sua fazenda Areias, no município de Esmeraldas. Foto: Revista O Cruzeiro, 1974, publicada na página do Facebook da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia

No momento, a grande causa do movimento é a criação do Parque Vicente de Araújo. Uma homenagem justa, à altura do homem de Dores do Indaiá que tanto fez por Santa Luzia.

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5 Comments

  • Toninho reis
    11 de setembro de 2021, 14:14

    Tenho belas lembranças da fazenda quando estudava no grupo Santa luzia,pois tive o prazer de visitar com um grupo de estudantes, todos nós em fila com a professora nos conduzindo, era lindo, pássaros plantas frutíferas pássaros e animais ,como era lindo tudo…

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  • Glayson Furtado de Lima
    12 de setembro de 2021, 09:19

    Meus nobres Luzias,
    Concordo c vcs, e estou ao vosso lado pelo não absurdo patrocinado principalmente pela prefeitura, que aliás, há muito não se importa com os luzienzes.
    Bom, acredito no m impasse que vai durar, isso porque que o local se torne um parque, a prefeitura precisa arrematar o terreno.
    Coisa que a atual prefeito jamais fará!
    Atualmente, atolado em denúncias, esse forasteiro (prefeito) só pensa em ser eleito Dep estadual em 2022.

    A luta é londa, mas a conquista compensa !

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  • Nenez
    12 de setembro de 2021, 10:39

    Excelente!!!!

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  • Maria Elisa Santana
    12 de setembro de 2021, 19:26

    Muito boa a reportagem, Maya. Interessante saber que o sr Vicente de Araújo já queria ter dado um destino maravilhoso para o terreno. Um campus da Universidade Católica seria muitíssimo bem-vindo naquela época. Hoje, queremos um parque para a população, como forma de preservar o espaço e a natureza.

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  • KLEBER SAMPÁIO PEREIRA
    11 de janeiro de 2022, 15:30

    Sou filho de um Homem, que foi Oficial de Cavalaria do EB e depois foi trabalhar na iniciativa privada. Em meados e final dos anos de 1940 foi trabalhar em um Banco ou Casa Bancária , de propriedade Familiar, como eram a maioria da época, porque não existiam Grandes conglomerados, os anos foram passando até que o Banco Mercantil de Minas Gerais comprou o banco que meu Pai trabalhava. Daí ele conheceu o senhor Vicente que era o Presidente e o seu filho Sergio Araújo, a qual dedicou sua vida a trabalhar para eles e para o banco. Sempre que se referia a esse senhor, falava com muito respeito e carinho. Papai se aposentou em 1976, mas mesmo assim continuou a trabalhar, para o seu filho Sérgio, o nome dele era: Marcellino Gonçalves Pereira.

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