Nos passos do imperador D. Pedro II – visitando Sabará e Santa Luzia

Nos passos do imperador D. Pedro II – visitando Sabará e Santa Luzia
Santa Luzia vista do rio das Velhas - desenho de d. Pedro II, feito em 1881

Eduardo de Paula, Sumidoiro’s Blog

O casal imperial d. Pedro II e dona Tereza Cristina, partiram do Rio de Janeiro, no dia 21.03.1881, sábado, às 6 horas da manhã, para conhecer Minas Gerais. O imperador cuidou de escrever um diário de viagem e a imprensa deu grande cobertura à visita. Parte desses acontecimentos são aqui revividos por Sumidoiro’s Blog(1), em continuação ao Post anterior.

No dia 4 de abril, o imperador, ainda permanecia em Congonhas do Sabará (atual Nova Lima) e, depois de jantar, conversou até perto de 10h. Segundo suas palavras a noite estava belíssima. O diretor da mina de Morro Velho mostrou-lhe lindos cristais de rocha, alguns continham piritas que irisavam. Aquele brilho iluminou a imaginação de d. Pedro II, pois sabia que ainda havia muitas riquezas a conhecer. Para a seguinte etapa da viagem partiu no dia 5, de madrugada, quando então veria tesouros históricos das Minas Gerais.

O então bispo de Mariana, d. Antonio Ferreira Viçoso, cuidou da boa recepção ao imperador no recolhimento de Macaúbas, em Santa Luzia, onde iria pernoitar, enviando uma carta com recomendações. Porque seria uma sexta-feira, avisou: “é preciso fazer todo esforço para ter peixe”. E, no que tocava à etiqueta, acrescentou: “ficará contente com bom agasalho e cordialidade”.(2)

Diário – De Congonhas do Sabará ao Sabará

ABRIL — “5 (3ª fª) − Banho, leve refeição e partida, as 6h. Conversei muito com o diretor de Morro Vermelho(3), até perto de Sabará. Segui primeiro o bom caminho, que serve de passeio ao diretor e sua família, até pouco além de um dos pontos de dinamite. Bela vista do lado da serra do Curral, avistando-se, ao longe, as pontas da serra da Piedade. Garoa forte.

Sabará em todo o seu esplendor colonial

Cento e oitenta brocas, cada uma de três palmos de fundo e menos de polegada de diâmetro, cheia de um a três cartuchos de dinamite, dão a duas toneladas por explosão de mina, trezentos e sessenta toneladas de minério por dia. Escolhe pelo peso do minério. Os pilões, etc., moem duzentos e cinquenta por dia. Fazem a apuração do ouro de nove em nove dias e uma barra de ouro de um mil seiscentas oitavas é o resultado do trabalho dos nove dias.

Cada mineiro inglês dirige o trabalho de treze a quinze brocadores. Não admitem trabalhadores − homens só − senão de doze anos para cima. Têm quatrocentos animais de carga, sobretudo para condução de carvão que fazem da árvore candeia. A madeira vem do lado de Jaguarão* (*Jaguara(4)) e Caeté. Esqueci-me de dizer que a maior parte das mesas são fixas e com couros, como as vi no Assis Jardim; e de que assisti ontem a cupulação que prova* (*provoca) uma perda de ouro de vinte e sete por cento, segundo disse o diretor.

Chegada ao Arraial Velho, onde foi o antigo Sabará. Estavam aí o deputado Assis Martins(5) e outros. O rio das Velhas já foi navegado por vapor pequeno, desde pouco abaixo do Arraial Velho(6). A chegada a Sabará é bonita. Entro na casa onde hospedou-se meu pai, às 9½. Pouco antes da cidade, na margem oposta, vê-se um sobrado onde nasceu o Paulo Barbosa(7). Almoço às 10½. Saí ao meio-dia. Liceu com internato para poucos, na casa que foi do barão do Cruvelo* (*Curvelo).(8) O aluno de latim traduziu bem Tito Lívio. Os de francês não têm má pronúncia. O de geometria desagradou-me, assim como os de geografia. A casa não é boa. Quatro aulas, duas de meninos e duas de meninas.

Visitei a igreja do Carmo, que nada tem de notável e a casa onde nasceu o Sapucaí(9) e foi vendida ao desembargador José Lopes da Silva Viana. Tem jardim maltratado com um chafariz. Colhi um ramo de mangueira, que dizem ter sido plantada pelo Sapucaí, de caroço de manga trazida de Alagoas. A vista para ambos os lados − serra do Curral e da Piedade − de que vi alumiada pelo sol, uma parte penhascosa, são bonitas.

Recolhimento de Macaúbas, onde pernoitou d. Pedro II

Hospital da Misericórdia. Mal situado. Estava limpo. Na sala do consistório, estão os retratos do fundador do vínculo da Jaguara(10), de onde provém a renda do hospital do finado barão de Sabará(11), que tem excelente fisionomia e mais dois padres benfeitores. Esperam aumentar a renda com o resto da liquidação do vínculo. Pensam em fundar casa para lázaros, mas lembrei que era melhor empregar o dinheiro no hospital geral e que, no Rio de Janeiro, havia muito lugar para lázaros. Tenho visto muitos papos também aqui. O diretor do Morro Velho disse-me que a mulher, só de beber água num lugar, começou a criar papo(12), operando-se dele na Inglaterra, do que ficou uma pequena cicatriz.

Jantar às 5½. Te Deum no Carmo. Ruim música. O vigário, irmão do cônego Roussin, pregou bem. Depois recebi. As ruas têm ladeiras e são calçadas de pedras que espetam os pés.”

ABRIL — “6 (4ª fª) − Acordei, às 5. 6h ¼. Começo a navegar o rio das Velhas(13) uma braça* (* 2,2m) de fundo de areia – 6h 35′. Capela arruinada de Sto. Antônio da Roça Grande(14). Margens com mais ou menos árvores, formando muitas vezes mato espesso. O patrão(15) Antônio Moreira disse que tinha ido à barra do rio das Velhas em um mês, por causa da demora de oito dias para conserto da barca. O rio começa a baixar em abril e a encher de 7bro* (* setembro) por diante. De Maquiné para baixo há pedras. Até lá areia.

De Sabará ao córrego do Malheiro 1h ¾ percorrida em 1h ¼ – 8h 20′, Fazenda do finado barão do Sabará, na margem esquerda. 8h 40′, Antonio do Bosque, alarga bastante o rio. – 9h. Temperatura da água 19º ¾- do ar 20º – 9h ½. José Correia, margem esquerda. Bonito lugar. O rio é bastante largo, de 150 m, talvez. 9h 50′. Bicas. Tem-se visto algumas plantações de milho e muitas macaúbas. 10h. Temperatura da água 25º, do ar 21º ¾. A 1m de profundidade, 21º. – 10h. Avista-se a igreja de Sta. Luzia, à margem direita, no alto da montanha.

Ponte de madeira sobre o Rio das Velhas em S.ta Luzia / 1 – Barca que conduz SS. MM. e comitiva / 2 – Barca que conduz banda de musica e criadagem / 3 – Casa onde deu-se o almoço / 4 – Desembarque / 5 – Casas em meia ruina / 6 – Estrada / 7 e 8 – Muito povo à espera do desembarque e muitos chapéos de sol (desenho de José Códea – JC).

O rio tem sempre apresentado quase que o mesmo fundo e de areia. Há bastante espraiados e vi gado vindo das margens até quase metade do rio, que é menos largo que o Jacuí. 11h 5′. Vê-se a ponte. Chegamos às 11h 1¼. Almoço e, pouco depois, conversei com o dr. Modestino Franco(16), que julga que a estrada de ferro deve ir até a foz do Paraúna. Partida às 12h ½. – 1h 5′. Lugar das estacas, resto de trabalhos de mineração. Vamos devagar, porque o barco pode bater. Fica perto do lugar chamado Carreira Comprida(17). 1h 25′. Defronte da casa da fazenda da Carreira Comprida. 1h ½. Acabou a estacada.

2h 12′. Ponta de areia que se adianta da margem esquerda, no lugar Taquaras.. 2h 4′. Passou-se a ilha das Taquaras que tem seu comprimento […] 2 ¾. Margem direita, fazenda de Joaquim Moreira das pedras… O rio aqui é bastante fundo. 3h 5′. Ribeirão da Mata. 3h. Muitas macaúbas (acrocomia sclerocarpa Mat. St. Hilaire – Voyages dans les provinces de Rio, etc. 1ère partie, vol. 2, pág. 377). 3h 35′. Passamos por defronte da casa do engenho de cana do major Frederico Dolabela(18), Encerra-Bodes, irmão do Dr. Modestino de Santa Luzia. 4h. Avista-se a serra da Piedade, do lado para onde o rio corre.

4h 26′. Fazenda Pinhões, de cana, na margem direita. As canas têm aparecido bonitas. Pedimos algumas, que nos atiraram para bordo. 5h. Grande montanha, onde se vê uma que se me afigura parede de pedra calcária, na margem esquerda. Mais de perto, parece-me rocha xistosa. 5h 10′. Rio Vermelho, à direita. Já avistei a casa do estabelecimento que é grande. Grande volta, Sarilho, na margem esquerda, que serviu para embarque de madeira.

5 ½. Chegada ao porto de Macaúbas. 6 ½. Fui ver a igreja – nada tem de notável – colégio, 32 meninas, cujas respostas satisfizeram, tocando duas piano a quatro mãos e sendo as escritas bonitas como as dos colégios das irmãs de caridade; e recolhimento – 39 recolhidos – que é extenso. A renda para tudo é de 11 contos. O diretor Padre Lana(19), mineiro, pagou 40 contos da dívida. Tem um pequeno engenho de cana que não trabalha. Não possui escravos. Permitiu a edificação de casas de vivenda de que os moradores só têm usufruto. Talvez devessem dividir as terras e vendê-las em lotes, onde se cultivaria a cana que o engenho reduziria a açúcar. Deitei-me às 9 e pouco, depois do jantar.

Santa Luzia, 1842: tropas d. Pedro II, comandadas por Caxias, derrotam os liberais (por Célio Nunes).

ABRIL — 13 − A “Gazeta de Notícias” (RJ), publicou:

Do nosso correspondente, recebemos, ontem, a seguinte carta:

Macaúbas, 6 de abril. / Depois da visita que fizemos às importantes minas de Morro Velho, […] seguimos a nossa peregrinação por estes sertões, dirigindo-nos à cidade de Sabará. Aí, Suas Majestades fizeram, no mesmo dia, as visitas do estilo e, como sempre, às carreiras, esforçando-se embalde por ver tudo com minuciosidade, coisa inteiramente impossível […] para quem segue um programa de viagem organizado com uma notável originalidade.

De Sabará, seguimos para Santa Luzia e, daí, para Macaúbas, onde pernoitamos. A viagem deste último trecho […] fizemos por água, servindo-nos do rio das Velhas, que oferece franca e agradável navegação neste tempo. Sempre é cheia de belezas e surpresas agradáveis a viagem fluvial, quando é através de uma zona opulenta de riquezas naturais e habitada por um povo simples, pouco ambicioso, acostumado ao trabalho limitado, mas capaz de andar, e andar muito, para vir só às barrancas do rio ver o imperador que vai águas abaixo. Fizemos a viagem pelo rio para aproveitar a correnteza, que é aproximadamente de três milhas por hora; e, deste modo, avançamos com mais comodidade uns sessenta e cinco quilômetros de caminho. Clique aqui para ler mais.

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1 Comment

  • Neder vieira
    10 de novembro de 2021, 20:50

    Muito bacana , gostaria de saber mais sobre a visita ilustre de Don Pedro segundo em Minas Gerais.
    Principalmente de minha cidade de Sabará MG Brasil.

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