Não dá para entender a licença prévia para atividade mineradora na Serra da Piedade

Não dá para entender a licença prévia para atividade mineradora na Serra da Piedade
Santa Luzia tem uma ligação especial com a Serra, aqui fotografada por Luiz Fernando Ferreira, da Frimisa

Ainda há tempo de salvarmos a Serra da Piedade da mineração. Amanhã, quarta-feira, 20 de março, será realizada uma audiência pública, às 16h, na Praça da Assembléia Legislativa, Rua Rodrigues Caldas, 30, Santo Agostinho, em Belo Horizonte, para discutir exatamente a questão da Serra, patrimônio vivo do povo mineiro, ameaçado por uma mineradora, a AVG Mineração. Essa empresa já recebeu licença prévia dos representantes do governo de Minas Gerais e das mineradoras no Copam, conselho responsável por autorizar ou não esse tipo de atividade no estado. Desde o início, o Luzias vem dando todo o seu apoio à campanha encabeçada pela Arquidiocese de Belo Horizonte, através do arcebispo, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, contra a volta da mineração na Serra da Piedade.

Leia o artigo de dois professores universitários – Miguel Andrade e Cástor Cartelle -, publicado no Estado de Minas – argumentando contra o absurdo que é entregar a Serra à mineração:

Inacreditável. É essa a expressão que mais se aproxima do nosso assombro com a decisão da Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM – MG)), ao conceder, no dia 22 de fevereiro de 2019, licença Prévia e de Instalação para atividade mineradora na Serra da Piedade. A decisão se mostra ainda mais absurda diante da dúzia de títulos e tombamentos da Serra da Piedade conferidos pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Ministério do Meio Ambiente, Instituto Estadual de Florestas (IEF), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG). Tudo isso faz do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade, Padroeira de Minas Gerais, há 252 anos, lugar único no planeta, insubstituível, inabalável, seja por suas riquezas naturais, seja pelo seu testemunho de história e fé, que enriquece, desde o início, a história das Minas dos Gerais.

Modelos arcaicos e ultrapassados de mineração, que pretendem exclusivamente o lucro e maquiam aspectos primordiais, são ações incompatíveis com todo esse patrimônio. Mesmo justificados por protocolos. Eles foram seguidos em Mariana e Brumadinho…

Da nossa Serra (tenha piedade) fazem parte, obviamente, o planalto do entorno, a fauna, a flora, as paisagens naturais e culturais únicas, a historia, a fé, a água que lacrimeja das suas pedras e que dizem ser benta. Território sagrado. Os senhores conselheiros “tratoraram” tudo isso. Somente três conselheiros votaram pelo indeferimento. Desferiram uma bofetada nos mineiros.

Há mais ainda do que poucos conhecem. Em 1863 chegava ao Brasil um jovem botânico dinamarquês de 21 anos, Eugene Warming. Do Rio de Janeiro prosseguiu em lombo de mula até Lagoa Santa, então com 5.600 habitantes. Lá, seria orientado pelo sábio cientista Peter Lund, que colocou Minas Gerais no circuito científico mundial. Em janeiro de 1866, após dois dias de viagem, Warming chegou à Serra da Piedade onde, antes, Lund estivera. Conheceu Frei Luiz, que cuidava do Santuário, e contemplou a imagem de Nossa Senhora da Piedade.

O botânico dinamarquês coletou três mil peças da flora da Serra da Piedade. De volta ao seu país, o estudo desse material o tornou fundador da Ecologia Vegetal. Nova ciência surgiu por meio dos estudos realizados com esse material.

Warming, cinco meses antes de falecer aos 82 anos, já reconhecido como um dos principais botânicos de todos os tempos, relembrou sua estada na Serra, naquela que seria a sua última conferência.

“Lembro-me daqueles tempos solitários que passei na Piedade, circundado pelas paisagens que ainda recordo como as mais belas do Brasil… uma lágrima cai ao pensar que nunca mais vou pôr os pés naquele lugar, … nunca mais, desde Lagoa Santa, deixar meu olhar perder-se à leste, no topo da Serra da Piedade encoberto de nuvens na madrugada”.

À Serra da Piedade não tem nada igual no Planeta. Lá, de mãos dadas: Santuário histórico, sítio sagrado, obra do maior ícone da escultura nacional, paisagens, caminhos, vegetação inter-relacionada que foi a fonte da criação de uma nova ciência. Essa referência é imperativo preservar, a todo custo, como testemunho permanente. É preciso determinação na defesa desse santuário natural, diante daqueles que permitem arrancar pedaços, inventar caminhos, profanar o silêncio e o canto dos pássaros com os trovões de dinamite. Como desmatar o que foi matriz para uma nova ciência? Uns poucos ganham. Mas todos perdemos. Mais uma vez o futuro poderá apontar o dedo para trás, assinalando o descaso de ancestrais que não souberam guardar tesouros.

O Plenário do Copam, o IPHAN, IEPHA, Ministérios Público, a sociedade não podem permitir esta barbaridade. Aí não! Pior do que tirar pedaços do Pão de Açúcar ou do Corcovado, minerar no Parque Estadual Cerca Grande ou exportar, como minério de ferro, o Pico do Itabirito.

Propomos iniciar logo as devidas providências necessárias à apresentação da nossa Serra da Piedade à UNESCO para que seja, merecidamente, declarada Patrimônio da Humanidade.

Miguel Andrade é professor do Departamento de Ciências Biológicas da PUC Minas. Coordenador da ADERI – Agência de Desenvolvimento Regional Integrado – Arquidiocese de Belo Horizonte.
Cástor Cartelle é professor do Departamento de Ciências Biológicas da PUC Minas. Ex-membro do COPAM.

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