Estação ferroviária: uma verdadeira joia do patrimônio histórico de Santa Luzia

Estação ferroviária: uma verdadeira joia do patrimônio histórico de Santa Luzia
Estação Ferroviária de Rio das Velhas, construída no final do século 19. ACCSL/Coleção Márcio Castro Silva

Luzias

Nesta segunda-feira, 17 de agosto, comemora-se no país o Dia do Patrimônio. A data está associada ao nascimento do historiador e jornalista mineiro Rodrigo Mello Franco de Andrade (Belo Horizonte, 1898 – Rio de Janeiro, 1969), criador do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, considerado uma espécie de guardião do patrimônio cultural do Brasil. Em 1998, ano do seu centenário de nascimento, foi instituído oficialmente o Dia do Patrimônio Histórico.

O Luzias escolheu este dia para falar de uma jóia do nosso patrimônio histórico: a Estação Ferroviária, localizada no bairro da Ponte, peça central da história da ferrovia brasileira em Santa Luzia, como mostra esta reportagem de Beto Mateus.

Leia:

A história da ferrovia em Santa Luzia acompanha a construção do ramal ferroviário da Estrada de Ferro Dom Pedro II, iniciada em 1858, cujos planos iniciais ligaria o Rio de Janeiro à Belém, no estado do Pará. A partir da proclamação da República, com o abandono das referências imperiais, a empresa recebeu o nome de Estrada de Ferro Central do Brasil. Em Santa Luzia do Rio das Velhas (nome da cidade na época), a estrada de ferro deveria seguir em direção ao interior do estado de Minas Gerais, passando por Corinto e alcançando a cidade de Pirapora, onde cruzaria o rio São Francisco. Até esse ponto, o objetivo foi alcançado em 1922, com a inauguração da imponente ponte Marechal Hermes. Mas, os planos foram alterados e a construção desse ramal da ferrovia foi finalizada em Buritizeiro.

Inauguração do Centro Cultural na Estação, março de 1991. Foto Heli Lara Lima

Voltando à Santa Luzia, em setembro de 1890, estavam concluídas as obras do prolongamento da Central do Rio de Janeiro até Sabará. Em Santa Luzia, próximo ponto no mapa do ramal férreo, alguns trabalhos já estavam adiantados, com o início da construção das pontes nos povoados de José Correia e Bicas. Mas, efetivamente a construção do trecho ligando as duas cidades começou no dia 28 de setembro de 1891, com o assentamento dos trilhos e os primeiros trabalhos para a construção do prédio da estação, então denominada de Rio das Velhas, sob a orientação do engenheiro Joaquim Augusto Ribeiro de Almeida. Em abril do ano seguinte, o escritório da ferrovia, responsável pelas obras do prolongamento, foi transferido de Sabará para Santa Luzia.

O pesquisador José Pedro Xavier da Veiga, nas célebres Efemérides Mineiras, menciona a inauguração da estação de Santa Luzia, em 06 de abril de 1893. Mas, três meses antes, em 07 de janeiro, chegou ao prédio da estação o trem de lastro, responsável por trazer as pedras britadas que fariam o lastro em torno dos dormentes do prolongamento da linha da Central. A chegada do trem foi comemorada e noticiada pela imprensa com “centenas de foguetes e fazendo-se ouvir a excelente banda de música do logar (sic)”. A chegada do trem representava uma grande conquista para Santa Luzia, que ouviu naquele momento histórico o discurso do político Manoel Teixeira da Costa (1833-1913), deputado do Congresso Estadual.

Nos meses seguintes, os preparativos para o funcionamento definitivo continuaram. Em fevereiro, o telegrafista Manoel Fernandes Adão foi designado como encarregado da estação de Santa Luzia do Rio das Velhas. É curioso observar que, logo depois, Manoel figuraria entre os comerciantes do lugar, sendo responsável pelo funcionamento de um hotel na rua do Comércio, no sobrado depois ocupado pelo Grupo Escolar Santa Luzia. Ainda em fevereiro de 1893, o chefe da linha da Estrada de Ferro, Dr. Martins Guimarães Filho, veio diretamente do Rio de Janeiro à cidade especialmente para receber a conclusão dos 28 quilômetros que ligavam Sabará a Santa Luzia. Na época, figuravam como diretor das obras, o engenheiro Pedro Leopoldo, o chefe de seção, engenheiro Simão Tamm, e o engenheiro residente, Rodolpho Herbster. Em abril, o Dr. Martins voltaria para a inauguração definitiva.

Manobra de Maria-fumaça em Santa Luzia. Livro Minas Gerais em 1925 – Arquivo Público Mineiro

O diretor da EFCB autorizou em março do mesmo ano as providências para a inauguração provisória do trecho entre Sabará a Santa Luzia e franquear ao público o tráfego. Após a inauguração da estação, novos serviços começaram a ser implantados, como o dos Correios, em outubro do mesmo ano.

UM IMPORTANTE COMPLEXO ARQUITETÔNICO

No complexo da Estação Ferroviária de Santa Luzia destaca-se, além do prédio principal, o prédio do armazém, as caixas d’água (que alimentavam a maria-fumaça). E, no contexto de implantação do ramal ferroviário, foi necessária a construção de casas próximas à estação para atendimento aos ferroviários que exercessem as funções de Agente da Estação, Mestre de Linha e Chefe da Estação local. As funções desempenhadas por esses funcionários é que determinavam em qual casa residiriam. Para isso, as casas dos ferroviários, localizadas à margem da ferrovia, são identificadas respectivamente como sendo a de nº 16 destinada ao Agente; a de nº 48, ao Mestre de Linha, e a de nº 80, ao Chefe da Estação.

As casas, à exemplo da Estação, foram construídas seguindo os padrões arquitetônicos ecléticos do fim do século 19 e início do 20. Destaca-se nessas construções o uso de materiais possivelmente importados ou produzidos no Brasil por imigrantes franceses. Exemplo disso são as telhas com a identificação da localidade de Saint Henry, região de Marselha, na França e, provavelmente, produzidas pelos Irmãos Roux. Essas mesmas telhas, que contém a inscrição “Grande Ecaille Pour Toiture – Brevetés S.G.D.G”, também podem ser encontradas em construções ferroviárias no estado do Rio de Janeiro e no interior de São Paulo. Esse tipo de material recebia uma menção legal – S.G.D.G – que eximia o governo francês de qualquer questionamento sobre a qualidade do produto. Há também as telhas identificadas com a inscrição Pierre Sacoman.

Incêndio que consumiu o prédio da estação, 21/06/2012. Foto Letícia Gomes

Apesar de sua rica história, a Estação de Santa Luzia já passou por momentos de degradação. No final da década de 1980, graças ao empenho da jornalista Anna Marina Vianna Siqueira e do médico Márcio de Castro Silva, então presidente da Associação Cultural Comunitária local, o prédio teve sua transferência para o município e recursos para sua recuperação autorizados pelo então presidente da Rede Ferroviária Federal, Fernando Fagundes Neto. O acordo, considerado pioneiro no Brasil, representou uma importante ação de valorização da memória ferroviária. Na época, foi inaugurada uma placa registrando o nome dos ferroviários que trabalharam na estação luziense.

ESTAÇÃO RIO DAS VELHAS MOLDOU A ECONOMIA LUZIENSE

Um dos benefícios que a chegada do ramal férreo trouxe para a cidade foi o desenvolvimento econômico, propiciado a partir de sua inauguração. Onde o trem apitava um sinal do progresso desembarcava. Assim também foi na comunidade luziense. Respirando ainda o passado marcado pelo percurso das caravanas de tropeiros que serpenteavam às margens do rio das Velhas, cumprindo seu trajeto na chamada estrada dos currais ou do sertão, Santa Luzia vivia ainda a expectativa do aproveitamento da navegabilidade do rio das Velhas, que não se cumpriu.

Ponte sobre o Rio das Velhas, com estação Rio das Velhas ao fundo. ACCSL/Coleção Ítalo Massara

Mas, a chegada da ferrovia, sem dúvida, representou um ponto de inflexão na economia da cidade, ainda muito baseada na agricultura. No entorno imediato da linha do trem se consolidou a implantação da Fábrica de Sabão, considerada por muitos o ponto inicial da industrialização luziense. O pesquisador Nelson de Senna atesta, em seu Annuario de Minas de 1913, os novos tempos vividos na cidade: “O Bairro da Estação é hoje de mais movimento e commercio que a cidade alta(…) O commercio é de pequena escala e pouco movimentado; todavia, o Bairro da Estação possue casas commerciaes importantíssimas, as quaes, além do commercio a varejo, fazem a exportação de gêneros para o norte do Estado e povoações circumvisinhas”.

Muitas das casas comerciais eram propriedades dos imigrantes chegados à Santa Luzia na mudança do século. O jornal Arco de São João, aponta que famílias de diferentes nacionalidades chegaram à cidade. Alguns, chegaram junto com a construção da ferrovia, como é o caso de Felippe Gabrich (1865-1929) que, juntamente com a esposa Amélia, constituiu família na cidade, entre a ferrovia e o Rio das Velhas. De acordo com a bisneta Sandra Maria Gabrich, no local Felippe construiu uma ferraria para atender a demanda da ferrovia e, posteriormente, se tornou referência na construção de carroças para a população da cidade.

OUTRAS ESTAÇÕES LUZIENSES NO PERCURSO

A estação de Capitão Eduardo, em 1993. Foto Edernilto. Site Estações Ferroviárias

Além da estação de Santa Luzia, o ramal ferroviário do município passa por mais outros três pontos de parada. Na região de Bicas, foi construída, na década de 1950, a estação de Capitão Eduardo, que funcionou como entreposto na área industrial da cidade. Hoje, a estação está em funcionamento com escritório da VLI Logística (Ferrovia Centro-Atlântica), arrendatária do ramal. A FCA obteve a concessão após o processo de desestatização da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), em junho de 1996.

No bairro Carreira Comprida, está a estação de mesmo nome, inaugurada em 11 de novembro de 1961 para atender ao Frigorífico Minas Gerais (FRIMISA), inaugurado no ano anterior. Construída seguindo os padrões da arquitetura modernista, a Estação de Carreira Comprida, assim como a sede do Frigorífico, é um dos marcos do modernismo na cidade.

A estação de Carreira Comprida, em 2003. Foto Gutierrez L. Coelho. Site Estações Ferroviárias

E, marcando o último ponto de parada dos trens na cidade, estava a estação de Ribeirão da Mata, localizada perto do povoado luziense, que fica próximo à divisa com o município de Vespasiano. A estação foi demolida, restando poucas marcas de sua presença no local.

EXCELENTE PROGRAMA DE TV MOSTRA SANTA LUZIA

A nova temporada do programa Estações, da Rede Minas, apresenta 11 episódios que destacam alguns pontos de embarque e desembarque de cidades mineiras, como Santa Luzia. Por meio de depoimentos de pessoas relacionadas com a história ferroviária, o programa destaca curiosidades e informações relacionadas à memória, à arquitetura, ao comportamento e à economia de cada cidade.

O programa dedicado a Santa Luzia, exibido no dia 21 de julho de 2020, contou com a minha participação e de Sandra Gabrich, representando a Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, da professora aposentada Marília Melo de Andrade, que mora em uma das antigas casas dos ferroviários, e dos funcionários da Prefeitura Municipal Thiago Nascimento e Márcia Souza. Todos deram depoimentos sobre a ligação da cidade de Santa Luzia com a ferrovia. E, é claro, que todos torcem para que o espaço receba o devido valor e o investimento para as necessárias obras de restauração. Nos próximos dias, o Luzias voltará ao tema para mostrar a degradação do espaço como um alerta às autoridades, para que esse patrimônio tão importante de Santa Luzia seja recuperado.

Não deixe de assistir ao episódio dedicado a Santa Luzia:

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2 Comments

  • Merania Aparecida de Oliveira
    18 de agosto de 2020, 21:48

    Parabéns Adalberto Matheus e colegas pelos esclarecedores comentários sobre as estações ferroviárias de Santa Luzia!

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  • Elzira Divina Perpétua
    19 de agosto de 2020, 09:38

    Maya e Beto Mateus
    Excelente matéria sobre a Estação, importante no passado e no presente da história da cidade. Lembrança particularmente querida para mim, pois nasci em frente à estação, numa das casas antigas que resistem ao tempo, a primeira residência de meus pais em Santa Luzia. Obrigada!

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