Luzias
Estava tudo preparado para mais uma reunião do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural de Santa Luzia, no Teatro Municipal Antônio Roberto de Almeida, na Rua Direita. É esse Conselho que vai dar a palavra final sobre o megaloteamento que a Emccamp Residencial quer fazer na antiga Fazenda de Vicente de Araújo, à beira do Rio das Velhas.
Um projeto ao qual boa parte dos luzienses se opõe, não só porque, com as enchentes anuais do rio, tem o potencial de simplesmente fazer desaparecer os bairros da parte baixa da cidade, mas pelo desejo da população de que a área seja transformada no Parque Natural Municipal Vicente de Araújo – seria o primeiro na área central do município.
O teatro estava bem mais cheio do que nas reuniões anteriores. Havia alunos de várias escolas, muitos representantes do Pantanal, de Pinhões, da Ponte, da Morada do Rio, enfim dos mais diversos pontos da cidade. Essas reuniões nunca começam na hora marcada, mas terminam pontualmente ao meio dia.
Com meia hora de atraso, o secretário da Cultura, que presidia o encontro, Cassiano Luis Boldori, abriu a reunião, dando a palavra a uma funcionária da Prefeitura, para que ela fizesse um histórico do empreendimento da Emccamp, que tem o nome de Cidade Jardim. O detalhamento de quando a ideia do loteamento surgiu, em 2014, até o ponto final da apresentação consumiu cerca de 50 minutos.
A plateia começou a ficar impaciente: muitos dados. Muita monotonia. Há uma crença generalizada entre os que lutam contra o projeto que a Prefeitura está fazendo tudo que pode para ir adiando a votação final, na esperança que, com essa manobra, o movimento contrário ao loteamento esmoreça.
Logo na primeira reunião, muita gente, ingenuamente, pensou que o secretário iria se manifestar a favor do engavetamento do projeto, porque Cassiano Luis é gaúcho e contou ao Luzias que foi ao Rio Grande do Sul – 85% do estado foi afetado pelas águas – para ver de perto a tragédia causada, em boa parte, pela falta de respeito ao meio ambiente. Horrorizou-se lá. Aqui, usa seu poder para adiar, protelar uma decisão que favoreça a natureza e os que vivem em Santa Luzia.
Nesta terça-feira, mais uma vez, isso ficou claro. Após a longa apresentação da funcionária da Prefeitura, foi concedido à Emccamp, através de seu diretor jurídico, Felipe Amarante Boaventur, uma hora, para que explicasse em minúcias o megaloteamento.
Ajudado pela projeção de slides, o diretor, caminhando entre os presentes, iniciou sua difícil missão. Difícil porque, à parte alguns membros do Conselho e o pessoal da própria Emccamp, ninguém estava realmente interessado no que a empresa quer fazer na antiga fazenda. Muito menos nas explicações técnicas sobre o que será feito para impedir que as enchentes, cada vez mais violentas, engolfe os bairros ribeirinhos.
Lá pelas tantas, como os moradores nunca têm o direito de se manifestar, aconteceu o fato mais importante da lenta e burocrática reunião: uma moradora do Pantanal, que perdeu todos os seus pertences em três enchentes recentes, não se conteve e, com a força de sua profunda indignação, interrompeu o diretor.
Ali, na frente do auditório, sob aplausos dos moradores da cidade, Meire Marielle (nome que se tornou símbolo de resistência) expôs sua dor, contando sua história e questionando os membros do Conselho. Sob intensa emoção, ela era a própria encarnação do desespero. Ao final, passou mal e teve que se retirar do encontro, que só ganhou vida e autenticidade com a intervenção dessa brava mulher, vítima sistemática das cheias do Velhas.
Outra manifestação importante foi a do ex-secretário de Meio Ambiente de Belo Horizonte, advogado Mário Werneck. Ele lembrou, mais uma vez, da importância da antiga fazenda na contenção das enchentes e dos prejuízos que o empreendimento da Emccamp pode trazer à cidade. “Vamos lutar até o fim para que esse projeto não seja levado adiante, porque Santa Luzia só vai perder se ele se concretizar” – afirmou ele.
A essa altura, já passava das 11h. E os moradores, vendo que, mais uma vez, não conseguiriam se manifestar, se agitaram. O secretário, então, aproveitou para levar os integrantes do Conselho para uma sala reservada, atrás do palco, longe dos olhos e dos ouvidos do que tentavam participar da reunião. Boa parte da plateia permaneceu aguardando o retorno do Conselho.
Faltavam 5 minutos para o meio-dia, quando o grupo voltou. O secretário Cassiano informou que haverá nova reunião no dia 8 de agosto, às 9h, no Teatro Municipal, para “deliberar” sobre o assunto. E, em seguida, às 12h em ponto, encerrou a reunião, sem uma palavra sobre o que “deliberaram” lá dentro.
Ninguém sabe exatamente o que vai acontecer no próximo encontro, que tipo de recurso irão usar. De certo mesmo, só a disposição dos moradores de continuar a lutar com todos os meios a seu dispor pela criação do Parque Natural Municipal Vicente de Araújo – impedindo, assim, que a Emccamp, sob o beneplácido de um cidadão nascido no Rio Grande do Sul, cometa o absurdo de desafiar o Rio da Velhas e a população luizense, dando vida ao seu trágico projeto imobiliário.
4 Comments
Marcia Duarte Lage
17 de julho de 2024, 13:27Que luta, meu Deus do Céu. A natureza se irrompendo contra os males a ela impetrados até agora e os amantes do Deus dinheiro querendo destruir mais. Que o bravo povo Luziense vença pelo menos essa batalha. O jeito é esperar as eleições municipais e votar em pessoas que se comprometam com o município e não com as construtoras.
REPLYMARIA GUIOMAR DA CUNHA FROTA
17 de julho de 2024, 16:19Excelente cobertura, viva o povo guerreiro luziense, fora emcamp
REPLYcruzeiroesperanca@hotmail.com
17 de julho de 2024, 17:21Emocionante a manifestação pública contra o empreendimento da EMCAMMP. Santa Luzia precisa de secretários luzienses, que tem compromisso com o município.
REPLYElzira
17 de julho de 2024, 19:59Maya, seu texto sintetiza com clareza o que foram aquelas três horas de tensão, de contenção e vontade de gritar para que parassem aquela repetição inútil de informações. Fomos salvos pela coragem da Meire, que gritou sua (e nossa) indignação e impaciência para aquele monte de falácia que fomos obrigados a ouvir. Será que agora compreenderam que Santa Luzia disse não a esse projeto?
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