Esta reportagem de Gustavo Werneck para o Estado de Minas trata de um assunto de grande interesse para muitos luzienses, sobretudo aqueles que participam de romarias para a Serra da Piedade. A pandemia, entre tantas mudanças que vem provocando, levou a Igreja a tomar a decisão de suspender as romarias, como medida de segurança, já que causam grandes aglomerações no alto da Serra. A medida interrompe uma tradição de mais de dois séculos e meio, como conta a reportagem.
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Pela primeira vez em mais de 250 anos, quando houve registro de um milagre no local (entre 1765 e 1767), a Serra da Piedade, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), não terá as tradicionais peregrinações que levam ao topo da montanha milhares de pessoas, do fim de julho a 15 de setembro, data consagrada a Nossa Senhora da Piedade. Estão suspensas, pelo menos por enquanto, as romarias dos vicentinos, que seria no fim do mês, da juventude, em 15 de agosto, e do Apostolado da Oração e do Terço dos homens, cada evento com mais de 5 mil participantes.
O ponto alto dos festejos e cerimônias religiosas de 2020, o Jubileu de Diamante, em 31 de julho, teria caravanas de romeiros de várias localidades para comemorar os 60 anos da proclamação de Nossa Senhora da Piedade como padroeira de Minas Gerais. Mas devido à pandemia causada pelo novo coronavírus, as celebrações presididas pelo arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, também à frente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), vão ocorrer de forma virtual, conforme divulgou ontem a Arquidiocese de BH. A missa será às 15h de 31 de julho, com transmissão pelos meios de comunicação da Arquidiocese de BH.
Desde 19 de março, o complexo do Santuário Nossa Senhora da Piedade, administrado pela Arquidiocese de BH e fechado à visitação geral, obedece decreto de dom Walmor para evitar aglomerações. As determinações incluem as paróquias de 28 municípios da RMBH. “Nosso objetivo é garantir a segurança dos devotos. Portanto, priorizamos as transmissões virtuais, sem o público, e obedecendo também às determinações das prefeituras de Caeté e Sabará”, afirma o reitor, padre Wagner Calegário. “Entendemos a ansiedade das pessoas para ir ao santuário, mas, por enquanto, é impossível. Pode ser que mais adiante ele seja reaberto para visitação. Temos que aguardar”, explica.
Além da pandemia, outro sério empecilho afasta os peregrinos do alto da Serra da Piedade. Trata-se de uma rocha que ameaçava rolar sobre a via de acesso (5,6 quilômetros) ao topo do maciço. A assessoria do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (DEER-MG) informou na noite de ontem que a pedra já foi removida, mas o órgão construirá no local um muro de contenção, para evitar que haja deslizamentos em períodos chuvosos. O problema colocaria em risco a vida de milhares de romeiros.
A remoção da pedra abre caminho para a celebração da missa em louvor à proclamação de Nossa Senhora da Piedade como protetora do estado, na ermida do século 18 que é também a menor basílica do mundo. Antes da pedra ser retirada, a missa comemorativa – com transmissão on-line –, seria realizada no Retiro da Piedade, localizado aos pés da serra. Por motivo de segurança, os funcionários do santuário estão atuando no Retiro, atendendo peregrinos, ou em casa, no sistema de teletrabalho. “Este santuário tem uma complexidade maior do que as outras comunidades de fé, pois também é uma área de preservação ambiental”, diz o reitor.
Com baixas temperaturas – de manhã, entre 7 e 9 graus; à tarde, com a máxima de 12 graus –, a Serra da Piedade recebe cerca de 500 mil visitantes por ano, muitos deles preferindo esta época de inverno, que acolhe e “aquece” todos com um clima festivo, incluindo romarias, missas ao ar livre, bênçãos e outros ritos, além, claro, do cenário deslumbrante e patrimônio cultural, natural, religioso e paisagístico, com tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Na singela Basílica Ermida da Padroeira de Minas Gerais – Nossa Senhora da Piedade, a menor do mundo, fica a imagem da padroeira esculpida por Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). No amplo espaço à frente, são realizados os grandes eventos agora cancelados. Ainda no alto da montanha está a outra basílica, mais conhecida como Igreja das Romarias e palco de muitas celebrações.
Séculos de história
A proclamação de Nossa Senhora da Piedade como padroeira de Minas Gerais ocorreu em 31 de julho de 1960, fato que motivou uma grande festa na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte.
A oficialização foi feita pelo papa João XXIII (1881-1963), atendendo ao pedido dos bispos mineiros, entre eles o então arcebispo metropolitano de Belo Horizonte dom Antônio dos Santos Cabral (1884-1967), e do arcebispo coadjutor e administrador apostólico, dom João Resende Costa, bem como do governador do estado, José Francisco Bias Fortes (1891-1971). Nesse processo, destacou-se também o trabalho de dom Carlos Carmello de Vasconcelos Motta (1880-1982), mais conhecido como Cardeal Motta, e que hoje batiza a praça em frente da ermida.
Com altitude de 1.740 metros, a Serra da Piedade abriga histórias de fé e até política. Foi no alto, por exemplo, que o ex-presidente Tancredo Neves (1910-1985) deu início à campanha de redemocratização do país, em 1984. Em dias muito claros, é possível vislumbrar a Serra do Caraça, o espelho d’água de Lagoa Santa, toda a cidade de Caeté, com o pontilhão ferroviário, e outros municípios da RMBH. O ponto principal, sem dúvida, é a ermida que dá exatamente o clima de “pedacinho do céu” de manhã bem cedo, quando nuvens baixas tomam conta do topo da serra.
A fama do lugar teria começado entre 1765 e 1767, conforme a tradição oral, com a aparição de Nossa Senhora com o Menino Jesus nos braços, a uma menina, muda de nascimento, cuja família vivia na comunidade de Penha, a seis quilômetros da serra. Nesse momento, a menina teria conquistado a fala. Mais tarde, em 1773, o templo seria construído pelo ermitão português Antônio da Silva, o Bracarena.
Música para louvar a padroeira
Em dezembro, conforme publicado pelo Estado de Minas, as maravilhas do santuário da Serra da Piedade e o louvor a Nossa Senhora da Piedade foram cantados por astros da música brasileira. Assim nasceu Mãe da Piedade, título da música para homenagear a padroeira de Minas e o templo chamado de “magnífica arquitetura divina”, que fica em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
O hino que, segundo a Arquidiocese de BH, encanta “pela força de sua poesia”, foi composto pelo bispo auxiliar dom Vicente de Paula Ferreira. Gravaram a composição os artistas Elba Ramalho, Leo Chaves, Daniel e Denise Gomes. Já o clipe foi idealizado pelo padre Alexandre Fernandes, titular da Paróquia Bom Jesus do Vale, responsável também pela direção executiva. A produção musical e os arranjos ficaram a cargo de Rogério D’Avila.
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