Gustavo Werneck – Estado de Minas
Um prédio que cai levando junto parte da história de Minas e deixando mais pobre o patrimônio cultural brasileiro. Pouco antes das 10h de ontem, aos olhos do mundo e bem perto do coração dos moradores de Ouro Preto, na Região Central do estado, o Casarão Baeta Neves, do fim do século 19, transformou-se em escombros a partir do deslizamento do Morro da Forca, que arrastou também o imóvel ao lado.
A perda imensa faz lembrar os versos de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em “Morte das casas de Ouro Preto”. Escreveu o poeta mineiro, quase em tom profético, em 1951: “Sobre o tempo, sobre a taipa, a chuva escorre. Sobre as paredes que viram morrer os homens, que viram fugir o ouro, que viram finar-se o reino, que viram, reviram, viram, já não veem. Também morrem./Vai-se a rótula crivando como a renda consumida de um vestido funerário. E ruindo se vai a porta. Só a chuva monorrítmica sobre a noite, sobre a história goteja. Morrem as casas”.
Parte do conjunto arquitetônico reconhecido como Patrimônio Mundial, em 1980, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938, a construção inaugurada em 1906 estava interditado havia 10 anos. Visivelmente consternado, o prefeito Angelo Oswaldo contou se tratar do primeiro prédio em estilo neocolonial de Ouro Preto.
Veja o momento em que o solar é soterrado:
Segundo o prefeito, o risco de deslizamento impedia obra de restauração e aproveitamento do casarão. Ele agora reativa um convênio com recursos do governo federal, que já haviam sido liberados e ficaram parados, via Caixa Econômica Federal, para intervenção nas encostas de Ouro Preto. “Vejam o paradoxo: no período seco, tivemos incêndio na encosta, que destruiu toda a vegetação. Agora, no período chuvoso, há o deslizamento.”
Para a superintendente em Minas do Iphan, Débora do Nascimento França, o momento é de tristeza, mas também de esperança: “Ouro Preto é memória, compromisso e superação desde da Inconfidência Mineira. E assim continuará”.
Em nota, o Iphan informou que o imóvel estava interditado desde 2012, quando o correu o deslizamento de um trecho da encosta, comprometendo um anexo existente na parte posterior do lote. “Não houve vítimas, uma vez que pouco antes do ocorrido, a Defesa Civil de Ouro Preto, juntamente com a Guarda Civil Municipal, interditou as vias de entorno, após perceberem indícios de movimentação de terra. A área vinha sendo monitorada pela Defesa Civil desde o final de 2021, por ocasião das fortes chuvas que afetam a região.”
Segundo a nota da autarquia federal, “o Escritório Técnico do Iphan esteve no local poucos minutos após o desastre, e vem acompanhando o andamento da situação, por meio de troca constante de informações junto à prefeitura municipal e às demais entidades competentes.” O Ministério Público de Minas Gerais informou que vai apurar os fatos e responsabilidades a respeito do desabamento do prédio histórico.
A Primeira Promotoria de Justiça de Ouro Preto tem instaurado inquérito sobre o imóvel destruído ontem e também sobre o antigo Varejão da Estação, em 15/12/2011. No inquérito, há documentos técnicos produzidos ao longo dos anos a testando risco geológico, classificado de suscetibilidade “de alta a muito alta” de deslizamento.
Para entender a extensão da perda, vale saber que o Solar Baeta Neves foi erguido no final do século 19, pelo senador estadual e prefeito de Ouro Preto, Alfredo Baeta. Conforme do Iphan, o mais antigo registro sobre o imóvel indica que o terreno foi adquirido em 1890, pela família Baeta Neves. O casarão foi construído nos dois anos seguintes, às margens do Córrego do Funil, próximo à Estação Ferroviária, local que mais se desenvolvia na cidade, antes da transferência da capital para Belo Horizonte. O casarão passou por obras de restauro em 2010, através do Programa Monumenta.
Perdas históricas
Minas já perdeu muitos prédios importantes – ou parte deles – em cidades de passado colonial, sendo o caso mais recente as paredes que desabaram no Solar Melo Viana, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Sem dúvida, é preciso que o desabamento em Ouro Preto sirva de lição, pois acende o sinal de alerta para a preservação do rico patrimônio de Minas. Em Santa Luzia (RMBH), o Solar da Baronesa, no Centro Histórico, demanda atenção das autoridades, pois já houve até decisão judicial pedindo para o prédio do século 19 ser desocupado por oferecer sérios riscos.
Assim, os versos de Drummond servem para iluminar o caminho neste tempo de tempestades: “A chuva desce, às canadas. Como chove, como pinga, no país das remembranças! Como bate, como fere, como traspassa a medula, como punge, como lanha, o fino dardo da chuva”.
Na semana passada, o Estado de Minas viu bem de perto a situação causada pelas fortes chuvas em Ouro Preto, onde as autoridades declararam alerta máximo. No Caminho das Fábricas, nove famílias, no total de 32 pessoas, foram retiradas de casas nas ruas Desidério de Matos e Francisco Isaac, a cinco quilômetros do Centro Histórico. No início da tarde de terça-feira, houve deslizamento de terra numa encosta, sem ocasionar vítimas. Segundo o secretário municipal de Defesa Social, Juscelino Gonçalves, todos os órgãos municipais e o Corpo de Bombeiros estão de prontidão 24 horas. Na Rua Padre Rolim, a poucos metros da Praça Tiradentes, o muro de uma casa cedeu, sendo coberto com lona preta.
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