Paulo Giovannini, Luzias
Saio para minha caminhada noturna habitual. Passo pelas ruas do meu bairro e logo chego à Avenida Beira-Rio, um dos locais preferidos do meu trajeto. Ali posso sentir o cheiro da minha infância. Um cheiro que me leva ao passado, com doces lembranças dos momentos felizes que vivi, nesta terra onde nasci e que me viu crescer.
Ao passar em frente à antiga fazenda de Vicente Araújo, algo diferente passou pela minha cabeça, um sentimento estranho e indefinível. Lembrei-me do “Movimento Salve Santa Luzia” e da conversa recente que tive com minha amiga Maya Santana, ocasião em que ela me falava sobre sua mãe indo ao quintal de sua casa colher ovos para o almoço.
Quintal! Na Santa Luzia de nossas infâncias, quase todas as casas tinham seu quintal, inclusive a minha. Grande, cheio de árvores frutíferas: jabuticabeiras e mangueiras enormes, nas quais trepávamos para colher frutas fresquinhas. Ninguém tinha medo de cair. Eu e meus irmãos chegávamos ao topo da enorme mangueira, onde alcançávamos os melhores frutos. Muitas vezes comíamos ali mesmo, sentados nos troncos mais grossos. No fundo, onde o terreno se encontra com o Rio das Velhas, de águas claras, um grande pé de angá, cujos galhos se debruçavam sobre o leito do rio. De cima da árvore, víamos as águas correrem sob nossos pés.
Volto minhas lembranças para a fazenda de Vicente Araújo. Um enorme quintal, uma verdadeira mata, onde um agradável corredor ladeado de pés de manga chamavam minha atenção. Todas as vezes que voltava a pé do Ginásio Santa Luzia, localizado na parte alta da cidade, eu sentia o maior prazer ao atravessar a fazenda, apesar dos conselhos do meu pai, que não achava certo invadirmos o espaço dos outros.
Para mim, não era invasão, era um prazer. Não tinha coragem de pegar uma fruta sem autorização. Uma gentil senhora, que soube mais tarde ser a esposa do dono, percebendo minha vontade, me autorizava a colher o fruto.
A mata, sem a exuberância de antigamente, ainda é uma referência para mim. Chego a sentir o barulho das nascentes de pequenos córregos, o canto dos pássaros e o roçar dos galhos em minhas pernas. É uma verdadeira terapia verde: sentir o cheiro da grama, o correr das águas, o ruflar das asas dos pássaros, são benefícios evidentes para a saúde, já comprovados por pesquisas científicas.
Grandes cidades dos países de primeiro mundo, em seu planejamento urbanístico, levam em consideração o poder terapêutico das áreas verdes. E agora percebo com mais clareza o sentimento ao qual me referi no início destas lembranças.
Está em processo adiantado um plano para acabar de vez com essa imensurável reserva biológica e fonte de saúde física e mental de que dispomos: o chamado “Empreendimento Cidade Jardim” – veja a ironia do nome! – que pretende construir no local, adquirido por um grupo poderoso, um enorme loteamento, cujas construções serão protegidas das enchentes por um dique.
Ao barrar as enchentes do Rio das Velhas com esse dique, as águas, com certeza, irão inundar toda a parte baixa da cidade e sua história, acabando, inclusive, com o comércio da região. Os danos ambientais, culturais e afetivos afetarão em cheio os moradores de Santa Luzia. O grande quintal do Vicente Araújo corre, portanto, um sério risco.
Ao expor os meus pensamentos, tenho a esperança de que dias melhores virão, com a interferência de pessoas e autoridades conscientes da importância de salvar Santa Luzia de empreendimentos como esse, que comprometerão a qualidade de vida dos cidadãos.
E que minhas lembranças, evocadas pelo perfume da natureza, possam me acompanhar por onde eu caminhe, seja pelas ruas da cidade ou pela avenida Beira-Rio, diante de um parque municipal destinado a contribuir para o prazer, a saúde e longevidade de nossa gente.
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2 Comments
Maria Elisa Santana
16 de agosto de 2021, 18:22Paulo, que prazer ler sru texto carregados de histórias e memórias. Consigo direitinho ir à um tempo que nao vivi, csminhar e experimentar seu vivido junto com você. Havemos de evitar esta tragédia de construção de prédios. Apostemos que o futuro setá verde. Beijos, meu caro.
REPLYCleunice
17 de agosto de 2021, 19:47Parece q em Sta luzia, não tem ninguém pra defender esse absurdo q estão querendo fazer ! Cadê os jornais da cidade, pessoas q possam impedir q mais essa faceta seja nos enfiado goela abaixo.
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