Após 80 anos, sem apoio da Prefeitura, o Instituto São Jerônimo vai ser fechado

Após 80 anos,  sem apoio da Prefeitura, o Instituto São Jerônimo vai ser fechado
O Instituto São Jerônimo foi criado no século passado pela lendária Dona Mariinha Moreira

Instituto São Jerônimo perde convênio com a prefeitura e terá que paralisar atividades. Crianças serão levadas para cidade a 70 quilômetros de suas famílias.

Gustavo Werneck, Estado de Minas

São quase oito décadas de história, centenas de crianças e adolescentes acolhidos ao longo do tempo e mais de 6 mil metros quadrados de área com equipamentos socioeducativos, alguns sob frondosas mangueiras. Embora superlativos, apenas números não conseguem traduzir toda a grandeza do Instituto São Jerônimo, mantido, com a Creche Mariinha Moreira, pela Associação de Proteção à Infância e Assistência Social (Apias) de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

No entanto, o aniversário de 80 anos, em 20 de julho, vai chegar ao casarão da Rua Floriano Peixoto, no Centro da cidade, sem sua principal razão de existir: os meninos e as meninas de famílias carentes, incluindo um bebê de quatro meses, e portadores de necessidades especiais. Até o próximo dia 31, todos terão que deixar a instituição.

O motivo desse “anunciado” drama social, segundo a presidente da Apias, Elizabete de Almeida Teixeira Tófani, está no rompimento de um convênio, em vigor há seis anos, com a Prefeitura de Santa Luzia. “Os recursos repassados, no valor de R$ 35 mil, são insuficientes para levarmos adiante o acolhimento. O resultado é que as crianças serão transferidas para Igarapé (RMBH), a 70 quilômetros de onde moram as famílias delas”, alerta.

Além da transferência de 11 crianças de 4 meses a 14 anos, que ainda não foram comunicadas sobre a mudança drástica em suas vidas, a instituição vai ser obrigada a demitir os 23 funcionários, paralisar temporariamente as atividades e vender parte do patrimônio a fim de pagar o passivo trabalhista, estimado em R$ 300 mil. Com a pandemia, os voluntários tiveram que ficar em casa, restando os contratados em regime de CLT.

“Não queremos briga com a prefeitura. A questão é que não podemos receber as crianças e não ter como pagar os custos. Acumulamos dívidas e a situação ficou insustentável. Estamos tristes com o fim do convênio, principalmente pela situação das crianças”, conta Elizabete, que tomou a decisão em reunião com o conselho diretor da associação e advogados.

Ela destaca que o valor oferecido pelo município não cobre os gastos, sendo impossível assinar o convênio, principalmente pelas cobranças feitas pelos órgãos envolvidos com a proteção de crianças e adolescentes. “As dificuldades são enormes, temos acolhidos, aqui, alguns com necessidades especiais que precisam de um cuidador exclusivo. Recebemos jovens com trajetória de risco social, sem falar nas contas de água, luz e outros serviços “, relata.

Funcionando como Casa de Acolhimento (abrigo), o Instituto São Jerônimo recebe crianças e adolescentes encaminhados pelo Ministério Público de Minas Gerais, Conselho Tutelar de Santa Luzia e Juizado da Infância e Adolescência. Desde 2015, de acordo com o convênio, teve início o atendimento de jovens com até 18 anos, com 20 vagas, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“A prefeitura está agindo de forma irresponsável, violando os direitos das crianças. Já pensou levá-las para Igarapé, longe daqui? Como os pais poderão visitá -los?”, pergunta Elizabete diante do quadro da fundadora do instituto, Maria do Carmo Moreira (1898-1989), conhecida como Dona Mariinha e chamada pelas primeiras jovens acolhidas de Mãe Mariinha.

A presidente da Apias, Elizabete Teixeira Tófani, com meninos atendidos na instituição diante de foto da fundadora.
Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

“Ela fundou o São Jerônimo para que as pessoas tivessem formações religiosa, moral e escolar. Foi pioneira, no estado, ao criar a obra social que nunca precisaria de verbas públicas. Funcionou assim durante 70 anos, com doações, mas na última década a situação mudou e se tornou impossível levar adiante o trabalho”, ressalta Elisabete, que há 17 anos atua no São Jerônimo. O nome de “batismo” da casa se encontra no quadro de um dos corredores: São Jerônimo é o protetor das crianças, dos jovens e dos órfãos.

Obra social

É caminhando pelas dependências do Instituto São Jerônimo que se entende a força e amplitude da obra social fundada por Mariinha Moreira, nascida em Santa Luzia. A garotada tem espaço de sobra para correr, brincar e equipamentos muito bem cuidados: dormitórios, refeitório, biblioteca, sala de psicomotricidade, espaços para atendimento psicológico, área de lazer, quadra e outros. “Ficamos preocupados com as crianças indo embora. Penso nos meus filhos e nos dos outros”, lamentou a cuidadora Maria das Graças Andrade Gabrich que, na manhã de ontem se dedicava ao garotinho de 4 meses.

Benemérita
Os ideais do São Jerônimo, fundado em 20 de julho de 1941, refletem a inspiradora ação de Mariinha Moreira, empenhada em criar uma instituição capaz de abrigar crianças em situação de vulnerabilidade, com respeito e a dignidade humana. Segundo a direção da casa, algumas instituições, nas últimas oito décadas, surgiram na cidade, mas nenhuma alcançou longevidade como o instituto. “Em trabalho sério e comprometido com a assistência social, muitos são os desafios e as dificuldades enfrentadas, mas, com certeza, nenhuma apresentou tantos riscos como o atual momento.”

Disputa por contrato esbarra em estatuto
A crise veio à tona a partir do Edital de Chamamento Público 002/2021, publicado em março de 2021 pela Prefeitura de Santa Luzia. Nele, o poder público municipal buscava a contratação de instituições sem fins lucrativos para oferta do serviço de acolhimento institucional para crianças e adolescentes de até 18 anos incompletos, de ambos os sexos.

Amparada pelas considerações legais exigidas para o setor da Assistência Social Brasileira, em especial para o serviço de acolhimento institucional para crianças e adolescentes, a direção do Instituto São Jerônimo explica que “o edital deixa escapar alguns detalhes sensíveis, muito importantes no processo de acolhimento”.

E mais: “Desde sua última alteração estatutária (2000), o conselho diretor da Associação de Proteção à Infância e de Assistência Social de Santa Luzia decidiu acolher as indicações de que houvesse uma mudança no serviço oferecido pelo São Jerônimo, restringindo a idade dos menores do sexo masculino, anteriormente estabelecida em 18 anos. É sabido que, em sua fundação, o instituto foi inteiramente voltado ao atendimento de crianças do sexo feminino (…). Após alguns anos da experiência de atendimento dos menores de sexo masculino com idade superior a 12 anos, ficou demonstrada a insuficiência para oferta de serviço de qualidade.”

Apesar de sua limitação estatutária, a direção fez a opção para se inscrever no atual edital de chamamento, demonstrando sua capacidade de atendimento naquela que sempre foi sua missão institucional ao longo de sua história.

“O edital de chamamento, ao se lançar de modo amplo, entra em contradição com detalhes muito importantes observados pela Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o ECA. Em seu artigo 92, inciso VI, as entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional deverão adotar alguns princípios, entre eles, ‘evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados’”.

A direção alega que outro artigo da mencionada lei, o de 101, em seu parágrafo 7º expressa que o acolhimento ocorrerá no local mais próximo à residência dos pais ou do responsável. “Ora, se o atual edital se lança sem especificar a sede da instituição que poderá se habilitar, abre leque para que nossas crianças sejam transferidas para qualquer cidade.”

Resposta
Em nota, a superintendente administrativa e financeira da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania de Santa Luzia, Mariana Stefani Santos, esclarece que o acolhimento institucional para crianças e adolescentes na modalidade casa-lar é um serviço da proteção social especial de alta complexidade do Sistema Único de Assistência Social.

Segundo o texto, o termo de colaboração do instituto com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania (SMDSC) tem prazo até maio. Mas como a instituição comunicou que só aceitaria menores do sexo masculino de até 12 anos, foi realizado chamamento público para buscar serviço para os que têm até 18 anos e o instituto foi desclassificado na concorrência.

Já o secretário municipal de Educação de Santa Luzia, Ermelindo Martins Caetano, acrescenta que “segue valendo sem alte- rações o contrato firmado entre a prefeitura e a Creche Mariinha Moreira, a qual vem recebendo ajuda mensalmente.”

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