Começa a temporada dos presépios, uma tradição que se renova na nossa cidade

Começa a temporada dos presépios, uma tradição que se renova na nossa cidade
Luiz Filipe Gonçalves, de Jaboticatubas, conta a história do quarto Rei Mago

Gustavo Werneck, Estado de Minas – Fotos: Leandro Couri

Lá pelo fim da década de 1990, quando era bem criança e o Natal enchia a casa de luzes e memórias, Luiz Filipe ouviu dos lábios da avó uma história da qual nunca mais se esqueceu. E, tão logo começou a fazer seu próprio presépio, pôs em prática o ensinamento de Maria Vicentina Moreira, hoje com 89 anos. “Não eram três, mas quatro os reis magos”, conta o jovem, recém-formado em matemática e morador de Jaboticatubas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na sala, diante do cenário com a manjedoura, figuras diversificadas e bichinhos, ele mostra aquele que não ganhou um nome, mas também seguiu para Belém a fim de saudar o Menino Jesus, nessa versão do nascimento do Messias. Essa é apenas uma demonstração de que, em Minas, a preparação para 25 de dezembro une a devoção a um jeito bem particular de celebrar a data, recheada de tradições. Se Luiz Filipe surpreende com mais um rei do Oriente, Dalma Aparecida Martins traz à luz o Jesus peladinho com o mundo nas mãos, enquanto Júnia Carvalho, também do município vizinho de Santa Luzia, revela outras curiosidades sobre os magos e homenageia os rios sob as bênçãos de São Francisco, o criador do primeiro presépio.

O quarto Rei Mago

Na tarde de ontem, Luiz Filipe de Melo Gonçalves, de 21, apresentava os detalhes do presépio, que levou uma semana para ficar pronto e, conforme o caprichado caderno de registro de visitas, bem na entrada, já tinha quase 100 admiradores. “Gosto muito de fazer, é a fé misturada ao prazer de unir os familiares, receber os amigos e contar a história da Sagrada Família e das nossas vidas”, diz o jovem, que atua como voluntário da Paróquia Nossa Senhora da Conceição já em preparativos para o jubileu de 160 anos, em 2019. Pelo cenário, montanhas de tecido coberto de esmeril, samambaias do mato que custam a ressecar, peixinhos de verdade e muitas figuras se espalham em vários níveis cuidadosamente arquitetados. A exemplo dos outros presépios, o Menino Jesus somente será colocado na manjedoura à meia-noite de hoje.

Mas vamos à história do quarto rei mago, que traz a mão esquerda espalmada sobre as sobrancelhas, como se tivesse perdido alguém de vista. “Ele saiu da sua terra junto com Belchior, Baltazar e Gaspar, que levavam ouro, incenso e mirra. O quarto rei carregava um saquinho com moedas de prata e, por ser muito caridoso, sempre parava para ajudar alguém, dando uma moedinha. Assim, demorou tanto pelo caminho que, ao chegar a Belém, Maria e São José já tinham fugido para o Egito, como forma de proteger Jesus da perseguição do rei Herodes”, conta Luiz Filipe, a todo momento recebendo gente para ver o presépio integrante do circuito da cidade (veja programação).

Mas a história não terminou. “Depois daquele dia, o quarto rei mago se tornou peregrino, e só viu Jesus 33 anos depois, quando Cristo já estava morto na cruz. Naquele instante, uma criança chegou perto e perguntou se ele tinha uma moeda de prata para lhe dar, ao que o velho rei respondeu: “Falhei na minha missão e não tenho mais nada”. A criança, então, o surpreendeu: “Eu estava nu, e você me vestiu; estava com fome, e você me deu de comer. Eu estava em todos os necessitados do seu caminho. Muito obrigado”.

Na casa da avó Maria Vicentina, quase ao lado da casa de Luiz Filipe, o presépio também tem os quatro reis, e ela explica, com todo aquele jeitinho mineiro, que aprendeu a história “na roça, contada pela minha madrinha, Raimunda”.

Separados

Júnia Carvalho fez seu lindo presépio numa sala inteira da casa

Moradora de Santa Luzia, a artesã e designer Júnia Carvalho também guarda uma peculiaridade sobre os reis magos. A mãe dela, Maria da Conceição Carvalho, falecida há cinco anos, contava que o trio não viajava junto. “Um deles foi por outro caminho e acabou chegando primeiro a Belém. Por isso, recriamos uma parte do presépio dessa forma. Aliás, as pastorinhas que visitam os presépios citam essa passagem num verso.” O trecho da cantiga faz referência a essas trilhas milenares: “Santos reis, como louvado, nos ensinou o caminho errado”.

Ocupando a sala inteira, o presépio da família Carvalho faz parte do circuito de Santa Luzia, aberto à visitação até 6 de janeiro, e enche os olhos pelo tamanho, beleza e quantidade de peças, algumas bem antigas. “Aqui é tudo bem mineiro, natural, não tem flor de plástico. Faço com galhos do quintal, folhagens do jardim, musgo… Enfim, tudo é daqui mesmo. Aprendi olhando mamãe fazer e continuo”, revela Júnia. Um dos destaques está na imagem de São Francisco, que, do alto da montanha, com seus passarinhos nas mãos, “abençoa” o Rio das Velhas, conforme observa, ao lado, o pai da artesã, o comerciante Antônio Nonato, com a experiência de seus 95 anos. E é sempre bom lembrar que o Velhas corre para o São Francisco, que homenageia o padroeiro da natureza.

Não muito longe dali, na casa de Dalma Aparecida Martins, de 94, há um Menino Jesus que cabe na palma da mão, mas carrega o mundo nas mãozinhas. Esculpida em pedra e madeira, a peça pertenceu ao avô da simpática senhora, Antônio Rodrigues Martins, que a deixou de herança para o filho de mesmo nome. “Minha avó montava o presépio e hoje faço de um jeito mais simples, apenas com a gruta e a Sagrada Família. Acho esse Menino Jesus diferente, com o globo azul… Estamos na mão d’Ele, pois o mundo ficou muito difícil”, observa. Com boa memória, Dalma faz questão de citar pessoas com as quais aprendeu, ainda menina, a arte tão mineira de fazer o presépio, entre elas Augusta Dolabella, Santina Dantas e as irmãs Marçal.

Nossa querida Dalma com o Menino Jesus que cabe na palma da mão

Sagrado
Especialista em espiritualidade e arte sacra, padre Gleicion Adriano da Silva vê com bons olhos as manifestações populares, desde que não percam o foco na história sagrada ou na “presença de Deus conosco”. Titular da Paróquia Maria Serva do Senhor, no Bairro Alípio de Melo, na Região Noroeste de BH, o religioso explica que a narrativa bíblica (na festa da epifania de Jesus) fala em três reis magos (sábios), que representariam os continentes conhecidos na época – Europa, África e Ásia. O quarto rei pode ser considerado uma alegoria, uma interpretação popular que não fere em nada o cenário do nascimento de Jesus. “Mais do que o aniversário de Jesus, o Natal é uma manifestação de Deus, o Verbo (a Palavra) que se fez carne.”

Confira algumas oportunidades de admirar a arte e a tradição dos presépios em Minas

Santa Luzia
As visitas em dezenas de casas vão até 6 de janeiro e os interessados podem procurar o historiador Marco Aurélio Fonseca, na Secretaria Municipal de Cultura, no Solar da Baronesa (Rua Direita, 408, no Centro)

Jaboticatubas (Grande BH)
Pela primeira vez a cidade tem um circuito de presépios, fruto da parceria entre a Paróquia Nossa Senhora da Conceição e a prefeitura local, via Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turismo. Contato com o guia Luiz Filipe, pelo telefone (31) 98243-2752

Belo Horizonte
Igrejas católicas e no Parque Municipal (de terça a domingo, das 6h às 18h, com entrada gratuita). Aos fins de semana, é possível admirar três presépios do Vale do Jequitinhonha durante visitas previamente agendadas ao Palácio da Liberdade (ingressos gratuitos em appa.art.br/palaciodaliberdade)

Tudo começou com São Francisco
A palavra presépio significa estábulo, manjedoura e foi São Francisco de Assis quem iniciou a tradição em 1223, nas redondezas de Greccio, Itália. Com a autorização do papa, ele montou um presépio de palha usando uma imagem do Menino Jesus, um boi e um jumento. A ideia rapidamente se estendeu por toda a Itália, desde as casas dos nobres às dos mais pobres. “Depois da novidade, houve uma cenografia no presépio, sendo incluído até um castelo de Herodes. Hoje, tem gente que coloca até dinossauros, vale a imaginação do povo, mas o importante é não perder o foco no sagrado”, reitera o padre Gleicion Adriano da Silva, especialista em espiritualidade e arte sacra.

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1 Comment

  • Marly Costa
    27 de dezembro de 2018, 18:05

    Linda essa tradição, que ela possa permanecer pra sempre em nossa cidade, pois sao verdadeira obras de arte e devoção de um povo.

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