*Marcos Paulo de Souza Miranda
Em 21 de abril celebra-se formalmente em nosso país o dia de Tiradentes, uma justa homenagem à memória do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o principal líder da Inconfidência Mineira, que foi enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro no ano de 1792, em razão de suas pregações libertárias.
O movimento inconfidente é uma das principais páginas da História de Minas Gerais e influenciou fortemente a formação do caráter do povo mineiro e a própria evolução social e geográfica do nosso Estado.
Aspecto ainda pouco conhecido, até mesmo pela própria sociedade luziense, é que pessoas ligadas ao antigo Arraial de Santa Luzia do Rio das Velhas(incluindo um filho da cidade) tiveram envolvimento e participação nos fatos relacionados à Inconfidência Mineira. Curiosamente, todos são padres.
O mais importante deles foi o Padre Miguel Eugênio da Silva Mascarenhas, batizado na Matriz de Santa Luzia em 02 de outubro de 1757. Ele era filho de Miguel da Silva Coelho (natural de São Sebastião da Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores) e de Bernarda Maria de Mascarenhas (natural de Nossa Senhora da Conceição de Sabará). Neto paterno de Manoel da Costa Coelho e de Tereza de Souza. Neto materno de Manoel Martins Mascarenhas (natural da Vila de Barcelos) e de Francisca da Cunha (natural de São Miguel, bispado de São Paulo).
Ordenado em Mariana em 11 de abril de 1789, o Padre Miguel Eugênio era dono de uma propriedade em Santa Luzia, na margem esquerda do Rio das Velhas (entre o portal da Av. das Indústrias e o Mega Space), onde possuía muitos escravos e extraía grande quantidade de ouro, valendo-se de canais e bicames de madeira que traziam, de longa distância, a água utilizada para lavagem do cascalho aurífero.
O local, que guarda alguns vestígios arqueológicos daqueles tempos, ainda hoje é conhecido como “Bicas de Padre Miguel Eugênio”, em referência ao filho ilustre da cidade, que também foi poeta, latinista, tradutor e renomado orador sacro, tendo seu nome registrado pelo Cônego Januário da Cunha Barbosa na obra “Parnazo Brasileiro”, em 1831, e por Joaquim Norberto de Souza Silva na obra “Modulações Poéticas”, publicada em 1841, ambos no Rio de Janeiro. O nome do afamado luziense também é citado por Gustavo Barroso, como rebelde, maçom e republicano no livro denominado História Secreta do Brasil.
Segundo apuramos, Padre Miguel era amigo próximo do poeta e inconfidente Cláudio Manoel da Costa e, no Seminário de Mariana, foi aluno do Cônego Luis Vieira da Silva, o grande ideólogo do movimento inconfidente. Conquanto não haja prova da participação direta do Padre Miguel Eugênio nas tramas da Inconfidência, percebe-se claramente pelos Autos de Devassa que ele tinha bastante conhecimento sobre a existência do movimento e relacionamento próximo com vários conjurados, tanto que foi formalmente ouvido como testemunha no processo criminal, em Ouro Preto, no dia 27 de julho de 1789. Ao que tudo indica, era um dos revoltosos. Manteve postura serena em seu interrogatório e não incriminou nenhum de seus amigos.
Descobrimos, ainda, diversas correspondências trocadas entre o Padre Miguel Eugênio e o contratador João Rodrigues de Macedo, construtor da Casa dos Contos, em Ouro Preto, e um dos maiores envolvidos nas tramas da inconfidência, conquanto não tenha sido sequer investigado pela Coroa Portuguesa.
Nos tempos da Inconfidência Santa Luzia desempenhava importante papel econômico no cenário da Capitania de Minas Gerais(pela existência de diversificado comércio e razoável extração de ouro nas cercanias), sendo considerado geograficamente como o primeiro arraial de maior importância para quem se deslocava da região de Diamantina em direção a Vila Rica. Por isso, era muito utilizado como ponto de parada e descanso pelos viajantes do “Caminho dos Diamantes” de antanho.
É nesse contexton que vincula seu nome ao antigo Arraial de Santa Luzia o legendário Padre José da Silva e Oliveira Rolim (1747-1835), um dos mais destacados inconfidentes, tanto pela sua fortuna quanto pelo seu destemor, amor à liberdade e espírito rebelde.
Natural e morador do Arraial do Tejuco (Diamantina), Padre Rolim tinha algumas parentes internadas como recolhidas no Mosteiro de Macaúbas, situado em Santa Luzia, onde certamente passava por ocasião de suas viagens a Ouro Preto para ali deixar correspondências e outras encomendas enviadas de Diamantina.
Depois de sua condenação ao degredo, a amásia de Padre Rolim, Quitéria Rita, filha de Chica da Silva, também se recolheu ao Mosteiro de Macaúbas juntamente com as filhas que teve com o religioso, saindo do renomado estabelecimento religioso somente quando o inconfidente retornou do degredo.
Pela leitura atenta dos Autos de Devassa fica evidente que o Padre Rolim tinha várias amizades na região de Santa Luzia, figurando inclusive como padrinho de uma criança batizada em 1788 na igreja da Jaguara, à época subordinada à paróquia luziense.
Também há provas de que, ao passar por Santa Luzia, Padre Rolim- que teria sido maçom de destaque em sua terra natal – ficava sempre hospedado na casa do padre José Lopes da Cruz, Vigário do Arraial na década de 1780 e, muito possivelmente, apoiador do movimento inconfidente.
Teria tido Padre Rolim alguma influência na confecção do painel com emblemas maçônicos ainda hoje existente no interior da Igreja Matriz de Santa Luzia? Tal ornamento, onde estão representados o compasso, o esquadro, a corda de nós e a acácia, teria sido confeccionado durante o paroquiato do Padre José Lopes da Cruz? Para essas perguntas, lamentavelmente, ainda não dispomos de respostas conclusivas embasadas em fontes fidedignas.
Descobrimos, entretanto, que o Padre José Lopes da Cruz, que residia em Santa Luzia e era amigo de Rolim, foi batizado em 16/09/1732 na Capela de Santana, da Freguesia de Antônio Pereira, em Ouro Preto. Era filho do Capitão Domingos Lopes (natural de Santa Marinha de Meira, Barcelos) e de Bárbara Pereira Leite (natural da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, Bispado do Rio de Janeiro). Neto paterno de Francisco Lopes da Cruz e de Maria Gonçalves Pomba. Neto materno de Salvador Álvares da Cruz (natural de Leça de Matozinhos, Porto) e de Ana Leite Pereira (natural de Guimarães, Braga). Foi ordenado em Mariana pelo bispo Dom Manoel da Cruz em 20 de março de 1757 e, antes de assumir a Paróquia de Santa Luzia, foi padre em Roça Grande.
Enfim, a história de Santa Luzia é muito rica (conquanto pouco conhecida) e guarda relação direta com o movimento libertário que se intentou em Minas no final do século XVIII, integrado por homens de têmpera e extremado valor, que urdiram para a pátria que almejavam construir uma bandeiraque de novo reclamava a liberdade, por tardia que fosse.
*Promotor de Justiça de Santa Luzia(MG) e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
2 Comments
Vereador e revolucionário, José de Oliveira Campos é exemplo para luzienses – Luzias
17 de julho de 2020, 19:01[…] História: Santa Luzia guarda relação direta com movimento da Inconfidência Mineira […]
REPLYPor que os moradores de Santa Luzia vão sentir falta do promotor Marcos Paulo – Luzias
18 de dezembro de 2020, 20:34[…] História: Santa Luzia guarda relação direta com movimento da Inconfidência Mineira […]
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