Pouco antes de morrer, em 1943, Padre Eustáquio – em processo de canonização – esteve, como de outras vezes, no tricentenário Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas, onde vivem freiras enclausuradas, para se encontrar com a irmã Maria da Glória do Coração Eucarístico (1903-1986).
Gustavo Werneck
Estado de Minas
Na quarta-feira, 30 de agosto, foi o Dia de Padre Eustáquio, com muitas homenagens ao beato que, mesmo tendo morado pouco mais de um ano e quatro meses em Belo Horizonte, tem sua história entrelaçada à vida da capital e ao coração de muitos mineiros. Além de ser palco de obras sociais e religiosas a cargo do sacerdote holandês, BH, onde ele terminou seus dias, tem um significado maior: ocorreu aqui o milagre, reconhecido pelo Vaticano, para lhe dar a glória dos altares por meio da beatificação.
Prestes a completar 81 anos, dona Leda Melo se sente uma pessoa abençoada. Ela e toda a família. Em julho de 1943, então um bebê de poucos meses, a menina Leda foi batizada por Padre Eustáquio (1890-1943), na Capela Curial Cristo Rei, localizada nas proximidades do Aeroporto Carlos Prates, na Região Noroeste da capital. Naqueles tempos, BH tinha 211,3 mil habitantes. “Ainda não havia a Igreja Padre Eustáquio, hoje Santuário Arquidiocesano da Saúde da Paz. Um mês depois do meu batizado, Padre Eustáquio morreu”, conta a belo-horizontina, que, diariamente, vai ao templo para fazer suas orações e rezar pela canonização do beato.
No santuário arquidiocesano, que recebeu uma multidão de católicos mineiros e 12 holandeses parentes do Beato Padre Eustáquio para as homenagens pelos 80 anos da sua morte, há um painel gigantesco com a figura do religioso cujo lema era “Saúde e Paz”. Diante do retrato, dona Leda, com um sorriso, repete o que aprendeu nas palavras escritas e nas frases ouvidas durante oito décadas: “Era um homem caridoso, que deixou um legado de amor”.
Nos bancos da igreja, em volta do memorial – onde se encontram os restos mortais de Padre Eustáquio, falecido em BH em 30 de agosto de 1943, após ser picado por um carrapato –, por todo canto há gente em momentos de reflexão. Com os braços abertos diante da imagem do beato, a professora aposentada Maria de Lourdes Santos Ribeiro Teixeira lembra que Padre Eustáquio era devoto de Nossa Senhora de Lourdes, nome que orgulha a mineira natural de Oliveira (Região Centro-Oeste), e de São José. “Estou aqui, hoje, para agradecer. Cresci ouvindo falar sobre Padre Eustáquio, primeiramente na voz da minha madrinha, que me deu, nos meus dias de criança, um santinho dele.”
TEMPLO Numa das salas do santuário, há uma fotografia em preto e branco mostrando Padre Eustáquio, com paroquianos, em volta da maquete da futura igreja, que se tornou santuário arquidiocesano em 2014, batizado “da Saúde e da Paz” pelo arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo. O terreno para a construção do templo foi doado pelo então prefeito de BH, Juscelino Kubitschek (1902-1976), mas Padre Eustáquio não teve tempo de ver a obra que marca o Bairro Padre Eustáquio. Participou apenas do lançamento da pedra fundamental.
A fotografia se torna, para a equipe do Estado de Minas, uma porta de entrada para a história do religioso holandês, que chegou a BH em 2 de abril de 1942 depois de passar por Poá (SP) e cidades da Região do Alto Paranaíba (MG). Na capital mineira, ficou por pouco mais de um ano e quatro meses – após seis dias aqui, tomou posse como vigário da Paróquia São Domingos, onde hoje é o Bairro Padre Eustáquio. “Belo Horizonte tornar-se-ia para Padre Eustáquio o campo do apostolado mais fecundo e mais salutar. Se em todos os lugares onde esteve, mesmo de passagem, procurou fazer bem ao próximo, física e espiritualmente, em Belo Horizonte seu zelo não conhecia limites”, escreveu, em 1944, o padre Venâncio Hulselmans, no livro “Padre Eustáquio – O vigário de Poá”.
O livro descreve as características físicas do beato: “Alto, de compleição robusta, pescoço curto e forte, com cabeça de touro. Sobrancelhas espessas e pesadas sombreavam os olhos profundos e penetrantes, que conservava sempre semicerrados. O nariz bem proporcionado, assim como a boca larga, dava a impressão, ao mesmo tempo, de força e de bondade. Vestido com o hábito branco da Congregação dos Sagrados Corações, era, em verdade, uma figura impressionante. Falava pausadamente, inclinando a cabeça para o lado, e fechava com frequência os olhos, o que lhe dava um certo ar de abstração”.
TODO LUGAR Ao caminhar pela principal rua do bairro, a movimentada Rua Padre Eustáquio, o visitante vai encontrar papelaria, imobiliária, agência de veículos, escola e padaria com o nome do religioso holandês, sem falar no grande número de Eustáquios e Eustáquias residentes, assim como em toda a capital e região metropolitana. Comércio local mais antigo, a Padaria Padre Eustáquio completou 77 anos e mostra uma saudação, em balões metalizados dourados, para o Dia de Padre Eustáquio.
“Temos uma história muito bonita ligada ao beato, pois Padre Eustáquio esteve aqui para abençoar o início da construção do estabelecimento, fundado por meus avós, Francisco Leite e Rosa Zandona. Meu pai se chama Jonas Eustáquio em homenagem a ele”, conta Abraão Leite, proprietário da padaria em sociedade com a mulher, Priscila Coelho. Devoto, ele informa que o religioso é uma referência para a região e para o estabelecimento, que tem cartaz com a foto do padre e objetos dos primórdios da padaria, como bule, fogão e fotos.
Se foi uma cidade de plenitude pastoral para o Bem-aventurado, BH marcou seu final de vida. Em 25 de agosto de 1943, ele foi internado após ser picado por um carrapato, morrendo cinco dias depois no Sanatório Minas Gerais (atual Hospital Alberto Cavalcanti), na capital. O enterro, com multidão nas ruas, ocorreu em 31 de agosto, no Cemitério do Bonfim, tornando-se o túmulo um lugar de preces e devoção.
“Temos uma história muito bonita ligada ao beato, pois Padre Eustáquio esteve aqui para abençoar o início da construção do estabelecimento, fundado por meus avós, Francisco Leite e Rosa Zandona. Meu pai se chama Jonas Eustáquio em homenagem a ele”, conta Abraão Leite, proprietário da padaria em sociedade com a mulher, Priscila Coelho. Devoto, ele informa que o religioso é uma referência para a região e para o estabelecimento, que tem cartaz com a foto do padre e objetos dos primórdios da padaria, como bule, fogão e fotos.
Se foi uma cidade de plenitude pastoral para o Bem-aventurado, BH marcou seu final de vida. Em 25 de agosto de 1943, ele foi internado após ser picado por um carrapato, morrendo cinco dias depois no Sanatório Minas Gerais (atual Hospital Alberto Cavalcanti), na capital. O enterro, com multidão nas ruas, ocorreu em 31 de agosto, no Cemitério do Bonfim, tornando-se o túmulo um lugar de preces e devoção.
Padre Belém, que fumou cigarros durante 58 anos e conseguiu abandonar o vício havia 13 anos, nunca encontrou as respostas para as suas indagações. “Acho que recebi um puxão de orelhas de Deus.” A cerimônia de beatificação ocorreu em 15 de junho de 2006, no estádio do Mineirão, em BH, teve a presença do padre Gonçalo Belém Rocha, que morreu um ano e meio depois, aos 83 anos.
ENCONTRO EM MACAÚBAS Já em Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH, houve um momento marcante na vida de Padre Eustáquio e de uma comunidade religiosa. Pouco antes de morrer, em 1943, ele esteve, como de outras vezes, no tricentenário Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas, onde vivem freiras enclausuradas, para se encontrar com a irmã Maria da Glória do Coração Eucarístico (1903-1986). Na época, a monja, que passou quase meio século presa ao leito, vítima de uma grave enfermidade, já estava incapacitada de se locomover.
Quase duas décadas depois, em 13 de setembro de 1962, foram a Macaúbas seis sacerdotes do tribunal que investigava os feitos extraordinários de Padre Eustáquio, incluindo o então vice-postulador da causa de beatificação, padre Alfredo, para ouvir o depoimento da irmã Maria da Glória. Faziam parte do grupo monsenhor Juvenal Honório dos Santos (juiz), padre José Campos Tatson (promotor da fé), padre Frei Bruno Goottens (juiz), padre Arnaldo Ribeiro (presidente) e padre José Raimundo de Freitas (notário).
Está no arquivo de Macaúbas o seguinte registro: “Foi um acontecimento muito notável no Mosteiro, que trouxe à comunidade santas alegrias. É a primeira beatificação a ser feita no Brasil, e o Mosteiro de Macaúbas teve a insigne honra de receber membros do Tribunal. A Sóror Maria da Glória irá contribuir com seus depoimento para elevação do Padre Eustáquio à honra dos altares”.
Tantos anos depois, a história do encontro de Padre Eustáquio com a irmã Maria da Glória tem uma versão não oficial guardada com carinho no Mosteiro de Macaúbas. Ao final da última conversa, os dois teriam se comprometido numa questão: o que morresse primeiro “visitaria” o outro. Pois logo após o falecimento, ocorrido em 30 de agosto de 1943, uma das freiras, chamada Benedita, teria escutado a irmã Maria da Glória conversando com uma pessoa. Ao entrar no quarto e encontrá-la sozinha, ouviu dos seus lábios que Padre Eustáquio havia estado ali.
DEPOIMENTOS
Em nome do beato
“Eu e uma multidão de devotos já consideramos Padre Eustáquio santo, sendo a conclusão do processo de canonização mera formalidade que, um dia, será anunciada pelo Vaticano. Basta ver a quantidade de pessoas batizadas de Eustáquio ou Eustáquia em razão de graças alcançadas pelos pais por intercessão do Bem-aventurado. Minha religião é umbandista e fiz questão de tatuar nas costas a imagem do beato, porque o legado dele não se resume somente ao catolicismo. Padre Eustáquio é nome de bairro, é nome de rua, é nome de gente, é até nome informal de templo religioso, já que o Santuário Arquidiocesano da Saúde e da Paz é mais conhecido por Igreja Padre Eustáquio. Aliás, o santuário tem esse nome em razão do beato, pois era assim que ele se despedia dos amigos, desejando a todos ‘saúde e paz’. Viva Padre Eustáquio!”.
Um canal espiritual
“Há décadas, acompanho a história de Padre Eustáquio, ouço depoimentos emocionados de pessoas que se dizem agraciadas com milagres, incluindo o padre Gonçalo Belém, conheço outras tantas cujos antepassados conviveram com ele e participo de coberturas jornalísticas importantes. Entre essas, a cerimônia de beatificação no estádio do Mineirão, em 2006, as celebrações em 30 de agosto, em BH, e a peregrinação dos mineiros, em abril, à Holanda, onde o religioso nasceu. Com o passar dos dias, eu me convenço de que, além de candidato a santo, ele era uma pessoa realmente especial, dessas que têm energia poderosa e um canal ‘espiritual’ direto com a esfera divina. Acredito que, independentemente da religião de cada um, será uma grande honra para Minas ter Padre Eustáquio nos altares de todo o mundo.”
Gustavo Werneck, jornalista
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