Baronesa Maria Alexandrina de Almeida, mais ilustre personagem luziense

Baronesa Maria Alexandrina de Almeida, mais ilustre personagem luziense
Retrato do acervo do Hospital de São João de Deus, fundado pelos barões em 1840

Beto Mateus
Do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

As recentes denúncias envolvendo a destruição de vestígios arqueológicos da Fazenda da Baronesa, no bairro Belo Vale, chamam novamente a atenção para uma conhecida personagem da história luziense. Ela é nome de bairro, de rua e de clínica. Quando se fala na história da cidade ou se busca algum marco do passado, ela imediatamente volta à tona. O tempo passa, mas Maria Alexandrina de Almeida, por obra e graça de sua atuação, ainda é a maior benemérita da cidade de Santa Luzia.

Eternizada em seu título honorífico, ela está definitivamente registrada para o futuro e para as novas gerações, mas, afinal, quem foi a baronesa de Santa Luzia? Quem foi essa mulher que marcou o destino de uma cidade e que, mesmo assim, tem uma trajetória ainda pouco estudada?

Sabemos que na história de Santa Luzia, ainda no século 18, as relações comerciais sempre foram mais expressivas que as ligadas à mineração. No século seguinte, com a presença de muitos fazendeiros no entorno do arraial e com os diversos comerciantes ao longo do trajeto da rua Direita, essas relações recebem grande impulso e, na economia regional, percebe-se a importância da localidade. E, justamente esse perfil econômico que vai nos ajudar a entender a chegada de uma senhorita baiana, contando pouco mais de 30 anos, e que vai implantar, com sua personalidade forte, novas relações de poder, nas quais a mulher assume um papel antes exclusivo dos homens.

1º barão de Santa Luzia, tenente coronel, comerciante e acionista do Banco do Brasil, Manoel Ribeiro Viana

Por volta de 1820, já é destaque no arraial a figura do comerciante Manoel Ribeiro Vianna (1768-1844). Tenente-coronel das Ordenanças de Macaúbas, vereador da Câmara Municipal de Sabará, acionista fundador do Banco do Brasil e doador do Hospício do Rio de Janeiro, Manoel estabelece residência e, rapidamente, se torna uma das mais importantes personalidades do lugar. Em um grande sobrado construído na rua Direita, com técnicas construtivas muito utilizadas nas primeiras décadas do século 19, estabelece uma espécie de centro político local, por onde todos os visitantes devem passar, inclusive, apresentando suas cartas de recomendações.

Em 1824, contando cerca de 56 anos, Manoel está viúvo. Nesse momento, chega ao arraial uma comitiva baiana que acompanha o coronel José Joaquim de Almeida. Com esse comerciante, estão suas filhas, dentre elas, com cerca de 33 anos, Maria Alexandrina, natural do Distrito da Paz, paróquia de São Francisco das Chagas, Vila da Barra (então Bispado de Pernambuco). Cidade localizada no sertão baiano, Barra está na confluência do Rio Grande e do São Francisco.

Recebidos por Manoel Ribeiro, a comitiva participa de recepções e assiste à chegada de uma equipe de pesquisadores, comandados pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff, médico alemão naturalizado russo, que registra alguns momentos cruciais para se entender o início do relacionamento entre Manoel e Maria Alexandrina. Em 12 de outubro de 1824, Langsdorff registra em seu diário:

– O dono da casa, que é solteiro, não conseguiu encontrar companhias adequadas para as quatro damas ou filhas do Coronel – Srª D. Maria, Srª D. Escolástica, Srª D. Anna (que, por acaso, estava doente) e Srª D. Theodósia (uma menina de 6 ou 7 anos) – para preparar um baile para tantos jovens presentes.

O solar habitado pelo barão e pela baronesa, maior construção (não religiosa) do Centro Histórico

Na ocasião, o solteiro Manoel dá uma grande festa no sobrado em comemoração ao aniversário de aclamação de D. Pedro I. Cavaleiro da Ordem de Cristo, não poderia deixar de homenagear o monarca. O que Langsdorff não poderia imaginar é que, muito provavelmente arranjado pelo coronel José Joaquim de Almeida, estava acertado o casamento de uma das suas filhas com o seu anfitrião. E, apenas 11 dias após a comemoração mencionada, acontecia no oratório do comendador seu casamento com Maria Alexandrina. Em 23 de outubro de 1824, provavelmente diante da imagem de Nossa Senhora das Dores (patrona do oratório), Dom Frei Thomás de Noronha, bispo português de Cochim (Índia) e governador episcopal de Pernambuco, concede a bênção nupcial.

O casal promove melhoramentos no arraial. Apenas um ano após o casamento, organiza uma das maiores festas realizadas no arraial e inaugura o primeiro teatro, com encenação da ópera “Enéas em Getúlia”, o que é notícia no principal jornal da província, O Universal, de Ouro Preto. Na área social, os dois criam uma casa de saúde, uma vez que um hospital mais antigo, o de Santana, se mostrava insuficiente para o arraial. Assim, surge o Hospital de São João de Deus, inaugurado em 02 de abril de 1840.

O prestígio do casal repercute no Rio de Janeiro e se reflete em decreto do imperador Dom Pedro II, em 18 de julho de 1841, concedendo-lhes o título de barões de Santa Luzia. Para o arraial, o título é muito importante e aumenta o desejo de autonomia em relação à vila de Sabará.

Oratório do Solar da Baronesa, onde os barões receberam bênção nupcial em 1824 do bispo da Índia, Dom Frei Thomás de Noronha. Crédito: Izabel Chumbinho/Acervo Iepha

Alguns registros dão a entender que Manoel Ribeiro e Maria Alexandrina tiveram somente uma filha, que morreu prematuramente, após complicações de uma paralisia.

Com a morte do barão, em 27 de janeiro de 1844, a baronesa Maria Alexandrina deu continuidade à instalação da casa de saúde, constituindo, no ano seguinte, a Irmandade da Misericórdia de São João de Deus, composta por homens de bem do arraial, que vão ser os responsáveis pela manutenção e funcionamento do hospital.

Termo de criação da irmandade da Misericórdia de São João de Deus, assinado pelo 2º barão em 1845, menciona a continuidade da obra de assistência social empreendida pela baronesa após a morte do 1º barão

Provavelmente, respondendo às exigências morais, políticas e religiosas da época, e também a questões de ordem econômica, Maria Alexandrina, viúva, se casa com o comendador Quintiliano Rodrigues da Rocha Franco (1778-1854), também viúvo, licenciado em farmácia, capitão de Ordenanças e que gozava de grande prestígio local. Tamanha era a influência da baronesa e, não menos, de Manoel Ribeiro, que Quintiliano também conquista o título de barão de Santa Luzia, em 15 de novembro de 1846.

Falecendo em 26 de junho de 1854, Quintiliano é sepultado, como Manoel Ribeiro Vianna, no interior da Igreja Matriz de Santa Luzia, “dentro do plano do arco cruzeiro da capela-mor”, como atesta seu registro de óbito nos livros paroquiais.

A baronesa com o segundo marido, o comendador Quintiliano Rodrigues da Rocha Franco

Com a morte de Quintiliano, Maria Alexandrina prossegue no comando dos negócios, na administração das fazendas e lavouras. A pesquisadora Carolina Perpétuo Corrêa menciona no recente título lançado – “Tráfico negreiro, demografia e famílias escravas em Santa Luzia, Minas Gerais, século XIX” – algumas propriedades ligadas aos barões, entre elas a Fazenda das Lages, atual Fazenda da Baronesa, no momento,envolvida em polêmica.

O Almanak Administrativo, Civil e Industrial da Província de Minas Gerais do ano de 1872, organizado por Antônio de Assis Martins, registra os cargos, ocupações e atividades desenvolvidas na cidade e, no termo Engenhos de Canna, são mencionados os da ‘Baroneza de Santa Luzia’. Outros documentos, como um recibo passado e assinado pela baronesa em 1861 confirmam seu protagonismo no comando dos negócios. No recibo, Maria Alexandrina atesta a venda de um escravo para o médico Cassiano Augusto de Oliveira Lima.

Mas, a partir da morte do 2º barão, os anos vão pesando sobre Maria Alexandrina e uma séria enfermidade passa a marcar os seus dias. O inglês Richard Burton, que passou pela cidade em 1867, registra em suas memórias que “a Baronesa de Santa Luzia, que tem uma grande casa na rua principal, com uma fachada cheia de janelas, é inválida”.

Recibo assinado de compra de escravo da Baroneza de Santa Luzia, pelo médico Cassiano Augusto de Oliveira Lima, sogro de Aurélio Dolabella. Cópia desse recibo foi doado pelo engenheiro Aurélio Dolabella Teixeira ao Museu da cidade em 2012

Notícias sobre a viagem do Duque de Saxe à província mineira são publicadas em 07 de julho de 1868 no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro. Nelas há o seguinte relato: “Os príncipes (Duque e Príncipe de Saxe) visitárão o hospital de caridade, a sala da camara municipal e as capellas do Carmo e Santa Rita, honrando também com sua visita a Sra baroneza de Santa Luzia que, por enferma, se achava em Sabará”.

Mas, sem dúvida, o registro mais forte sobre o estado de saúde de Maria Alexandrina veio da artista e botânica inglesa Marianne North, em 1873, que assim descreveu a nobre: “Encontramos uma amiga que estava visitando a coitada da velha baronesa de S. L., que estava sofrendo muito, paralisada até a língua”[i].

O que se sabe, na tradição oral, é que a família decidiu pela transferência da baronesa para sua terra natal. Por muitos anos, os luzienses acreditaram ser Lençóis, também na Bahia, a terra natal de Maria Alexandrina. Mas, recentes pesquisas e levantamentos corrigiram um erro histórico, divulgado por décadas. Durante a pesquisa da publicação “Santa Luzia: Atos de Proteção”[ii] foi descoberto, após o cruzamento de dados, a naturalidade de Maria Alexandrina, pelas informações prestadas nos relatos de seu falecimento.

De acordo com certidão de óbito firmada pelo Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Barra/BA, Maria Alexandrina faleceu em 02 de junho de 1879, às 09 horas da manhã, tendo apontada como causa mortis febre. A baronesa faleceu em sua residência, localizada na Rua Direita do Rosário e foi sepultada no Cemitério do Santíssimo Sacramento. A morte da baronesa teve repercussão na imprensa do Nordeste e do Rio de Janeiro, no mês seguinte, com divulgação de notas de obituário como a do Jornal do Reporter, do Rio de Janeiro, que assim noticiou, na primeira página da edição de 11 de julho de 1879: “NA CIDADE da Barra, província da Bahia, faleceu no dia 2 do mez próximo findo a baroneza de Santa Luzia, tia do dr. Frederico de Almeida. Em seu testamento deixou livres todos os seus escravos”. As notícias se sucederam no Jornal da Tarde (de São Paulo), Cearense – Orgao Liberal (CE), Diário de Pernambuco e Jornal do Recife (PE), Gazeta de Notícias (RJ).

O mausoléu em formato de torre, em Barra(BA), onde estão os restos mortais da Maria Alexandrina de Almeida – Foto: meussertoes.com.br

Descendência
O destacado desembargador Antônio Roberto de Almeida, que ocupou a presidência da Província de São Paulo em duas ocasiões, é irmão da baronesa de Santa Luzia, e do qual procede a ascendência das famílias Moreira (Mariinha Moreira), Almeida Teixeira, Teixeira da Costa, Almeida Viana. Já o 2º barão teve outros filhos, de seu primeiro casamento, dentre os quais o médico Dr. Modestino Carlos da Rocha Franco, líder político local, que se encontrou com D. Pedro II, quando esse esteve em Santa Luzia, em 1881.

Mas, muito ainda precisa ser pesquisado sobre a baronesa de Santa Luzia para que se conheça o real alcance do seu poder econômico e social, ainda adormecido nos documentos de variadas instituições. Levantamentos como os apontados por Carolina Corrêa e as recentes pesquisadas promovidas em razão das denúncias da destruição dos vestígios arqueológicos da Fazenda da Baronesa devem aguçar o interesse dos pesquisadores e promover novos olhares sobre a própria história luziense, às vésperas do 140º aniversário de morte da personagem luziense mais ilustre de todos os tempos.
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[i] NORTH, Marianne. Lembranças de uma vida feliz/ organização e estudo crítico Ana Lúcia Almeida Gazolla; tradução Ana Lúcia Almeida Gazolla e Julio Jeha. Belo Horizonte: fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 2001. p.106

[ii] MATEUS, Adalberto A. Santa Luzia: Atos de Proteção – Bens Culturais Tombados. 2016.

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2 Comments

  • Elzira Divina Perpétua
    8 de maio de 2018, 19:16

    Muito interessante saber um pouco mais da história de Santa Luzia e das pessoas que aqui atuaram no passado. Parabéns pela iniciativa!

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  • Vera Helena Felippe de Melo
    10 de novembro de 2022, 09:46

    Conheci a história da Baronesa pela minha auxiliar. Pesquisei no Google. Brasil tem histórias encantadas de personagens importantes e pouco conhecidos!

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