Adeus a Gema, grande doceira, parte do patrimônio dessa terra

Adeus a Gema, grande doceira, parte do patrimônio dessa terra
Com um pacote de bala delícia, que fez a sua fama de grande na arte de fazer doces

Um dia dos mais tristes – 28 de novembro de 2013- em Santa Luzia, Minas Gerais: morreu Gema, a doceira oficial da cidade, cujos doces, levados para Londres pela embaixatriz Lúcia Flecha de Lima, encantaram a princesa Diana. Gema, sempre trabalhando em parceria com a irmã mais velha, Quitita, era um dos nossos patrimônios mais valiosos. Como última homenagem a esta mulher encantadora na sua simplicidade, generosidade e sabedoria, publico o artigo da jornalista Ana Maria Cavalcanti, postado no blog www.50emais.com.br pela primeira vez em maio de 2011:

A tradição de fazer doce na casa das irmãs Gema e Quitita começou com a mãe, D. Joaninha. Foi ela quem ensinou as filhas a fazer os canudinhos de doce de leite e todos os doces que fazem hoje. Os canudinhos é que fazem mais sucesso, tanto que a princesa Diana provou e adorou.

A princesa Diana ganhou os canudinhos de presente de uma amiga brasileira. A princesa achou que eram muito mimosos e gostosos e deu até um nome diferente para eles: “dedinhos de moça”. Os canudinhos são delicados com uma capa bem fininha e crocante. Dentro dessa capinha vai o doce de leite.

D. Joaninha fazia os canudinhos maiores e mais grossos. Mas a irmã de Gema, Quitita – com a autorização da mãe – diminuiu o tamanho deles, porque achava que ficavam mais nhos.. “Tudo pra Quitita tem que ficar bonito. Foi sempre assim. Se depois de fritar, a capa do canudinho tiver alguma bolha, Quitita diz: ta feio, não serve. E quebra tudo”, conta Gema. As duas fazem uma média de 500 canudinhos por semana, por encomenda. Ou a pessoa telefona ou vai a casa delas.

Quitita e Gema (de roupa mais clara) dominavam a arte de fazer doces

Quitita e Gema (de roupa mais clara) dominavam a arte de fazer doces – Foto: Heli Lara Lima

Os pais dessas doceiras famosas de Santa Luzia eram muito pobres e a mãe fazia doce para ajudar nas despesas de casa. Quando começou o negócio, a mãe não tinha um tostão. Então, comprava os ingredientes numa quinzena e pagava na outra, com o dinheiro da venda dos doces. D. Joaninha fazia tudo e as duas irmãs iam vender em Belo Horizonte. Gema tinha uns oito anos de idade e acompanhava Quitita que tinha 15.

Os doces eram cuidadosamente colocados em um balaio recoberto com pano branco e engomado. “A beleza dos doces atraia os compradores. Muitas vezes, eles não queriam nada. Mas, quando viam os doces não resistiam: .goiabada, bananada, balas de coco e canudinhos, claro”, relembra Gema As duas adoçaram a vida de muita gente em BH. Pra chegar lá, íam em cima de um caminhão de lenha. Não tinha transporte como hoje.

Na casa de Gema e Quitita só se usa fogão de lenha. Cozinham os doces em tachos de cobre. Mexem com colher de pau de um metro de comprimento. É preciso muita força pra mexer os doces até que fiquem no ponto. Quando um braço fica cansado, elas usam o outro. Gema está com 76 anos idade e tem muita força. Já a mulher do sobrinho dela, com vinte e poucos anos, não consegue mexer. Gema mexe três ou quatro tachos por dia. Acorda todos os dias às cinco da manhã e já põe a mão na massa. As duas não saem de casa, não gostam de ir a lugar algum.

A embaixatriz levava doces de Gema para a princesa

A embaixatriz levava doces de Gema para a princesa

Acham que lá dentro têm tudo: jardim com bananeiras e flores, bichos – cachorro, patos, gansos e galinhas – e doces. Quitita acorda mais cedo ainda: às duas da madrugada para fazer as capas dos canudinhos. Ela faz as compras também. Está com 81 anos e continua muito caprichosa. “De minha parte, toco a produção, toco a obra. É assim que funcionamos e dá certinho.”, diz Gema

Com o dinheiro dos doces, as irmãs compraram um terreno. “De lá, vem a lenha para o fogão e as frutas fresquinhas para a goiabada e a bananada. Fazemos também doce de leite com chocolate, bala de coco, pé de moleque e cocada branca e preta. No Natal e na festa de São João – 24 de junho – é que vendemos mais. Aceitamos encomendas para festas, aniversários, casamentos”, explica ela.

Às vezes, as duas passam aperto com tanta coisa pra fazer. Conforme as vendas foram aumentando, compraram um caminhão para transportar a lenha e as frutas do terreno pra casa. “Meu irmão, Jacques, de 82 anos, é quem dirige. Tudo funciona harmoniosamente. Cada um faz a sua parte e sempre do mesmo jeito. Nunca mudamos nada, orgulha-se Gema.”

Tudo feito em fogão a lenha, em maravilhosos tachos de cobre

Tudo feito em fogão a lenha, em maravilhosos tachos de cobre

Gema e Quitita são muito conhecidas em Minas Gerais. Vem gente de todo canto comprar os doces. “Uma de minhas clientes mais antigas é Beatriz Borges, de mais de 90 anos de idade, mãe da ex-embaixatriz , Lucia Flexa de Lima. Uma vez, Beatriz comprou os canudinhos e deu pra filha levar para Londres. Lucia, que era amiga da princesa Diana, levou os canudinhos para ela provar. A princesa adorou e a história dos “dedinhos de moça”saiu em vários jornais na época.”, relembra Quitita.

“Nossa fama passa de boca em boca e a freguesia está sempre aumentando. Ganhamos aqui em nossa cidade várias medalhas e um diploma de Honra ao Mérito. Há várias doceiras na cidade mas ninguém faz doces como nós fazemos, com essa qualidade e capricho. Já saímos em vários jornais, revistas e até no Fantástico!”, diz Gema, com um largo sorriso

Em 1994, com 60 anos, Gema se aposentou com um sálario mínimo. Quitita  se aposentou antes, em 1982. Mas as duas continuam trabalhando desde madrugada até à seis da tarde, todos os dias inclusive aos sábados, domingos e feriados. Para Gema, “quem pára de trabalhar morre.  Uma vida é boa é com ocupação. Eu sinto a mão de Deus quando estou fazendo meus doces”.

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2 Comments

  • jose mauricio do couto bemfica
    13 de dezembro de 2020, 12:30

    Sempre fui cliente de D.Gema.

    Gostaria de saber se continuam a fazer as cocadas , pois gostaria de adquirir.

    Tinha um telefone 3641-2146, mas não atende mais.

    Favor enviar o contato.

    Obrigado.

    José Maurcío

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