O Natal com gosto de renascimento dos que conseguiram sobreviver à covid-19

O Natal com gosto de renascimento dos que conseguiram sobreviver à covid-19
Cristina Gonzaga, doceira e salgadeira, que ficou internada 64 dias: "A vida é meu maior presente, parece que tenho uma missão a cumprir, muito ainda para fazer. Fico muito orgulhosa disso" (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)

Duas pessoas conhecidas na cidade falam do Natal, depois de terem sido infectados pelo novo coronavírus, passado um bom tempo internadas e vencido a luta contra a covid-19

Gustavo Werneck, Estado de Minas

No dia em que o pequeno Bernardo veio ao mundo, a vovó Maria Ercília de Jesus Gonzaga, conhecida por Cristina, não pôde acarinhar o bebê, abraçar o filho Robson, pai de primeira viagem, nem ficar ao lado da família. Naquela manhã de 13 de julho, ela começou a sentir, “do nada”, dor de cabeça, fraqueza e tontura, sintomas que, mais tarde, foram  diagnosticados como da COVID-19 e conduziram à internação durante 64 dias no hospital Santa Casa BH, na Região Centro-Sul da capital.

Sem perder o sorriso, embora com os olhos iluminados pelas lágrimas da emoção, Cristina acredita ter renascido. “A vida é meu maior presente, parece que tenho uma missão a cumprir, muito ainda para fazer”, afirma a cozinheira, quituteira e doceira, que já teve sua famosa goiabada, com frutas do quintal, levada até para a França. “Fico muito orgulhosa disso.”

Não bastasse Cristina ser internada, o marido dela, José Luiz Gonzaga, também se tornou vítima do novo coronavírus, que não perdoou também a filha do casal, a advogada Ana Cecília, de 31, hospitalizada durante oito dias, e o caçula Jeferson, de 27, segurança e trabalhador em fábrica de peças – ele e o pai numa forma branda da doença.

Só escapou o Robson, o Robinho, de 28, estudante de engenharia de produção. Residente no bairro Córrego Frio, às margens do Rio das Velhas, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a família respira mais aliviada neste Natal, embora cheia de cuidados.

“Lembro-me pouco do ocorrido no hospital. Sei que uma vez, quando estava no centro de terapia intensiva (CTI), meus filhos Robinho e Jeferson apareceram diante de mim. Choravam muito. Logo depois, quando a imagem deles desapareceu, pois foi uma ‘visão’, enxerguei dois anjos iluminados, com túnicas brancas, compridas. E não passou muito, ouvi os médicos comemorando, um deles falou alto:

‘Graças a Deus! Salvamos ela! Salvamos ela’. Na minha memória, estavam todos vestidos de verde, essa roupa que os médicos usam nos hospitais”, conta Cristina, com Bernardo, de 5 meses no colo e, ao lado, a netinha Larissa, de um ano e oito meses, filha de Jeferson. “Sabe que às vezes meu netinho olha para mim como se já me conhecesse há muito tempo? Fico impressionada”.

História de sobrevivência

Mesmo Hipertensa, diabética e com 65 anos, portanto no grupo de risco para a COVID-19, Cristina é considerada uma guerreira pelos que a conhecem. Ficou 45 dias no CTI, foi entubada três vezes, sofreu três paradas cardiorrespiratórias e passou pela traqueostomia. Há três anos, devido ao diabetes, sofreu a amputação da perna esquerda, na altura do joelho, e se vale de uma prótese.

Mesmo assim, na época, tão logo foi liberada pelo médico, voltou à lida, muitas vezes caminhando um quilômetro, de casa ao ponto de ônibus, em estrada de terra, para trabalhar na capital como diarista. “Na época de enchente, já passei com água do Rio das Velhas pela cintura”, recorda-se. Ao lado, a filha Ana Cecília complementa: “Mãe não sossega. Só ficou parada, agora, por causa da COVID-19. Gosta de trabalhar. Encarou tudo isso, de 13 de julho a 14 de setembro, e, graças a Deus, não teve sequelas”.

Nascida na zona rural de Taquaraçu de Minas, Cristina começou a trabalhar muito cedo e, sem oportunidade de estudar, sempre fez questão de dar uma boa educação aos filhos. “Essa é a maior riqueza que os pais podem deixar para os filhos”. E tem as amizades, a gratidão: “Houve uma forte corrente de orações, tanta gente rezando por mim, só tenho a agradecer”.

Fé recuperada durante internação

Emerson Lloyd Reis, morador de Nova Lima, confessa ter recuperado a fé: “No CTI, vi que a vida é o grande bem que temos, e recorri a Deus. Não poderia haver presente maior neste Natal”
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press )

Nos 21 dias em que ficou hospitalizado, 11 deles no CTI, Emerson Lloyd Reis, de 58, morador de Nova Lima, não apenas se recuperou da COVID-19 como restaurou sua fé em Deus. Ao longo dos anos, acontecimentos muito tristes como a morte precoce de um irmão, Alyson, e depois a de uma tia muito querida, Elisa Lloyd, vítima de câncer, abalaram a fé.

“Mas, no CTI, vi que a vida é o grande bem que temos, e recorri a Deus. Não poderia haver presente maior neste Natal”, conta Emerson, casado com Andréia de Aguiar Reis e pai de Luana Cristina, de 27, Nívea Maria, de 15, e Gabriela, de 12. Na mesma casa, mora o pai dele, Dirson dos Reis, conhecido por Tinho, de 92.

Do período de internação, primeiramente em Nova Lima, depois num hospital da Região Centro-Sul de BH, Emerson, que trabalha no departamento de compras de uma empresa, não se esquece particularmente de cinco dias, considerados, por ele, os mais “terríveis” na sua luta contra a doença. “Não cheguei a ficar entubado, mas, nesses dias, estive em completo isolamento, sem notícias da família, sem saber da Andréia, das minhas três filhas. Os pensamentos são os piores, vi três pessoas morrendo, ao lado, no box do CTI, então é difícil demais.”

Com 20 quilos a menos, e em recuperação do calvário recente, entre 4 e 25 de novembro, Emerson diz não saber quando foi contaminado pelo novo coronavírus: “A gente nunca sabe. Sigo as orientações das autoridades médicas (uso  de máscara, higienização com álcool gel e respeito ao distanciamento social) e trabalho numa empresa com  todos os protocolos de segurança”. Certo de que o pior já passou, ele só quer mesmo saber do carinho da família e de curtir o bem divino da saúde.

 

 

 

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