Livro busca corrigir erros históricos sobre a última batalha da Revolução de 1842

Livro busca corrigir erros históricos sobre a última batalha da Revolução de 1842
Gustavo Villa, 42, autor de "Horizonte de eventos da Batalha de Santa Luzia", diante da janela alvejada com tiros, no casarão que abriga o Museu Aurélio Dolabella. Os orifícios são resultado do enfrentamento, na frente da Matriz, entre soldados do 8º Batalhão, liderados pelo irmão de Caxias, José Joaquim de Lima e Silva, que veio da região onde é hoje o Bonanza, e 50 rebeldes liberais, chefiados pelo Capitão Severino, que estavam dentro da histórica construção. Foto: Márcia Toscano

Luzias

A batalha final, em Santa Luzia, da Revolução Liberal de 1842 ganha uma valiosa contribuição para um maior conhecimento dos fatos ocorridos em agosto daquele ano, com o lançamento, na sexta-feira, 19 de julho, a partir das 18h30m, no Solar da Baronesa, de “Horizonte de eventos na Batalha de Santa Luzia”, livro de autoria do luziense Gustavo Villa, 42.

O historiador, cujos ancestrais tiveram participação ativa na Revolução liderada por Teófilo Otoni, há quase 177 anos, apresentará aos luzienses uma obra que, provavelmente, provocará mais polêmica do que qualquer outra publicada sobre o tema nos últimos anos.

Batalha final não foi no Muro de Pedras
Através de seus estudos, o pesquisador constatou graves erros históricos, que vêm sendo passados de geração em geração e só agora, com o livro, são trazidos a público. “O primeiro exemplo de equívoco que permeia o senso comum é a informação de que a batalha final aconteceu no local conhecido como Recanto dos Bravos(Muro de Pedras),” explica Gustavo. Apontando no seu trabalho o lugar exato onde se deu a derradeira batalha, em 20 de agosto.

Gustavo Villa aponta “outro equívoco histórico”. Acredita-se que o casarão da Rua Direita que hoje abriga a sede do Museu Aurélio Dolabella tenha sido o quartel-general dos Liberais. Mas, segundo ele, as evidências são de que ali teria funcionado um hospital. O quartel general teria sido no casarão de dois andares, mais abaixo: “As fontes da época apontam o sobrado da família Dolabella como a verdadeira sede militar dos insurgentes,” completa o estudioso, adiantando que “há vários outros equívocos,” todos eles detalhados na obra.

O livro será lançado na próxima sexta-feira, 19 de julho, a partir das 18h30m, no Solar da Baronesa

Faltam relatos sobre cidadãos luzienses no século 19
Mas o livro que Gustavo Villa – integrante de família conhecida de Santa Luzia: filho de Enilton Soares Fernandes e Maria Amélia Villa Fernandes, neto do saudoso Levy Fernandes – vai lançar na próxima semana também focaliza outros aspectos do Movimento Liberal.

“Além do conteúdo arqueológico, a primeira parte do livro apresenta as implicações sociais dos conflitos na Comarca do Rio das Velhas, trazendo informações relevantes sobre as pessoas que viviam nas imediações do arraial em 1842, com a relação de dezenas de nomes de moradores e em alguns casos uma pequena biografia desses agentes da história; alguns protagonistas, outros coadjuvantes” – informa o historiador.

Este é outro aspecto que reforça a relevância da publicação, uma vez que Santa Luzia carece de relatos sobre os seus cidadãos no século 19.

Leia a entrevista de Gustavo Villa ao< Luzias/em>:

Um dos erros históricos é que a batalha final se deu no Muro de Pedras. Foto: Luzias

Luzias – Por que você decidiu escrever sobre a Revolução de 1842?
Gustavo Villa – Criado em Santa Luzia, cursei o ensino fundamental no Grupo Escolar Modestino Gon¬çalves, onde ouvia muitas histórias sobre uma famosa guerra que acontecera no passado, tendo como palco as ruas e casas que circundavam o meu mundo conhecido.

Concentrado nas ocupações da infância, confesso que não entendia, de fato, os nomes pomposos dos participantes e nem a seqüência dos eventos, contudo o tema, pelo terror de alguns detalhes nunca saiu da minha cabeça. Os moradores da cidade, mais de cem anos depois, ainda contavam sobre tiros de canhão, massacres, tropas passando na rua do Serro, onde eu morava e etc.

Luzias – O que mais chamava a sua atenção nesses casos?
GV- O que mais me impressionava era a história do terrível destino do soldado que morreu dentro do gavetão da Matriz. Algumas vezes, nos devaneios da infância, me pegava imaginando a angústia daquele ser humano tentando abrir a gaveta inutilmente, até o último suspiro desesperado naquele claustrofóbico caixão em que foi se meter.

A primeira motivação, portanto, foi o fato deste assunto permear os meus pensamentos desde a infância, alimentando o meu subconsciente de uma maneira quase onírica. Quando me formei em História, no ano 2000, passei a focar a minha atenção na arqueologia do período Neolítico, no entanto, sempre mantive o interesse pela história do lugar onde vivi.

O velho casarão, do final do século 18, teria servido de hospital, durante os combates. Foto: Beto Novaes/Estado de Minas

Luzias – E quando exatamente você pensou em escrever o livro?
GV – A idéia do livro surgiu há cerca de um ano quando comecei a trabalhar em um levantamento genealógico da minha família. Durante esse tempo, montei um acervo de fontes primárias e verifiquei que vários ascendentes diretos meus atuaram nos setores militar e político na região da Comarca do Rio das Velhas em meados do século XIX.

Aos poucos fui percebendo a atuação destes ancestrais como protagonistas dos eventos ligados à Batalha de Santa Luzia. Um deles, o meu sextavo, Tenente-Coronel José de Oliveira Campos foi uma das dez lideranças detidas no arraial. Teófilo Ottoni e alguns cabeças do movimento foram presos na casa deste meu antepassado na rua Direita. A partir daí tomei a decisão de escrever o livro, ao perceber que a história que permeava meus pensamentos estava intimamente ligada à minha própria história.

Luzias – O seu livro é diferente de outros sobre a Revolução de 1842. Como é que você pesquisou? Durante quanto tempo?
GV – A diferença desta publicação é que até então, não havia um projeto de levantamento sistemático dos sítios arqueológicos. Esta metodologia eu trouxe da minha experiência de mais de uma década trabalhando com a Arqueo-Astronomia, através da qual descobri alinhamentos de sítios neolíticos no Brasil em um contexto que seguia a trajetória do Sol, por exemplo.

Solar dos Dolabella serviu de quartel general dos liberais. Seu proprietário era Vicente Rico, dono do Porto no Rio das Velhas. Em 20 de agosto de 1842, Caxias ocupou e saqueou o sobrado, fazendo dali o quartel general dos legalistas. Foto: Gustavo Villa

A localização dos sítios arqueológicos da Batalha de Santa Luzia sempre esteve descrita nas fontes da época como o Livro do Cônego Antônio Marinho, Na Ordem do Dia de Caxias e principalmente na planta do arraial incrivelmente acurada, produzida pelo Engenheiro Halfeld, veterano da Batalha de Waterloo e encomendada por Caxias para a confecção da estratégia da Batalha.

Luzias – Esse é um documento da maior importância.
GV – Sim. Halfeld legou aos Luzienses um documento de importância inestimável com informações precisas da topografia, hidrografia e da zona urbana de Santa Luzia com a localização precisa dos sítios. A partir da confrontação destes três documentos com softwares de geo-localização, aliada a intensa pesquisa de campo, montei um Atlas da Batalha que será reproduzido no livro. De fato a precisão das localizações é que torna a publicação relevante porque até então só havia esboços esquemáticos da Batalha. Um outro fator interessante é que na primeira parte do livro, retirei dezenas de luzienses contemporâneos da Batalha do anonimato, fornecendo nomes e em alguns casos uma pequena biografia desses agentes da história; alguns protagonistas, outros coadjuvantes.

Luzias – O que mais surpreendeu você ao estudar a Revolução – mais precisamente a Batalha de Santa Luzia, que se deu aqui entre nós.
GV – O que mais me surpreendeu foi perceber a maneira como este patrimônio riquíssimo foi praticamente relevado até hoje pelas políticas públicas e como nós, cidadãos, deixamos parte desta história ser esquecida nos porões do passado. Além das fontes primárias, pesquisei o repertório da tradição oral luziense a respeito dos pormenores da Batalha, buscando uma síntese entre ambas, com o objetivo de verificar alguns equívocos que foram sendo reproduzidos através das gerações e que são próprios da deterioração das informações em um sistema de comunicação volátil como a história oral.

Gustavo Villa formou-se em História pela PUC-Minas, no ano 2000. Foto: Heli Lara Lima

Luzias – Cite alguns desses equívocos.
GV – O primeiro exemplo de equívoco que permeia o senso comum é a informação de que a batalha final aconteceu no local conhecido como Recanto dos Bravos. De fato, neste ponto começou o movimento de contra-marcha da segunda coluna de Caxias sobre os rebeldes, encurralando-os na baixada do córrego da Calçada, uma vez que o seu irmão José Joaquim de Lima e Silva marchava com o temido 8º Batalhão a partir da Igreja Matriz. Foi a partir do caminho que margeava o córrego que os rebeldes bateram em retirada em direção à ponte velha.

Outro equívoco histórico é a crença de que o casarão da Rua Direita que hoje abriga a sede do Museu Aurélio Dolabella tenha sido o quartel-general dos Liberais. As fontes da época apontam o sobrado da família Dolabella como a verdadeira sede militar dos insurgentes. As fontes da época apontam o sobrado da família Dolabella como a verdadeira sede militar dos insurgentes. Há vários outros equívocos que aponto no livro.

Luzias – Fazendo tantas revelações novas, qual é a repercussão que você acredita o seu livro vai ter?
GV – Eu espero que este livro seja uma provocação, para que a comunidade luziense defenda com ainda mais garra este patrimônio tão relevante. Do ponto de vista histórico, procurei respaldar a minha teoria através de fontes da época. Espero que este livro desperte muitas dúvidas, paixões e coloque muita lenha na fogueira do debate histórico e que os demais apaixonados pelo tema confrontem inclusive as minhas premissas para alcançarmos uma visão sistêmica dos fatos.

Além do livro, tenho buscado parcerias no setor educacional da cidade para uma futura publicação de um Atlas Escolar da Batalha de Santa Luzia. Busco parcerias também na administração do município para montarmos um roteiro turístico-arqueológico da Batalha, gerando empregos e trazendo desenvolvimento para Santa Luzia.

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Sobre Gustavo Villa
– Graduado em História pela PUC-Minas com extensão em Pedagogia Waldorf pela UNB.
– Como astrônomo amador, percorreu nos últimos dez anos, quatorze países da América, pesquisando e publicando sobre o desenvolvimento da astronomia nativo-amer
– Tem um canal de divulgação da Arqueo-astronomia no YouTube.

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