Quando Minas revê seus melhores títulos com que se honra entre seus irmãos na Federação Brasileira, o nome da risonha cidade que se debruça às margens do Rio das Velhas entre o arvoredo dos seus quintais e as palmeiras macaúbas, vem a todos os corações a memória do embate de 1842, nas ruas e barrancas de Santa Luzia. Augusto de Lima Júnior.
*Marcos Paulo de Souza Miranda
Para além da revolta da Cabanada, iniciada em 1832 e que tomou as Províncias de Alagoas, Pará e Pernambuco; da Guerra dos Farrapos, que se originou em 1835 no Rio Grande do Sul; da Sabinada, iniciada em 1837 na Bahia, e da Balaiada, surgida em 1838 na Província do Maranhão, em 1842, inserido nesse quadro de rebeliões liberais que marcaram o período das Regências e o início do Segundo Reinado, um novo movimento revolucionário estourava, mas desta vez em terras de São Paulo e das Minas Gerais.
Em 1º. de maio de 1842 um Decreto extinguia a Câmara dos Deputados dois dias antes da posse dos Deputados eleitos (a maioria do Partido Liberal) e, em Minas Gerais, Bernardo Jacinto da Veiga, o novo Presidente da Província, de igual sorte baixava Decreto adiando o funcionamento da Assembleia Legislativa.
Vereadores das Câmaras Municipais de Barbacena, São João del-Rei e São João Batista do Presídio (atual cidade de Visconde do Rio Branco) e integrantes do Partido Liberal (que pregava ideias renovadoras e pleiteava maior autonomia das Províncias), por terem se manifestado pugnando pela suspensão dessas normas consideradas inconstitucionais e contrárias aos interesses do povo, foram sumariamente suspensos de suas funções por influência de membros da oligarquia conservadora.
Em tal cenário insustentável, aos 10 de junho de 1842 a Câmara Municipal de Barbacena e sua Guarda Nacional, em uníssono com o povo daquela honrada cidade, aclamaram o prestigioso chefe político José Feliciano Pinto Coelho da Cunha (futuro Barão de Cocais) como Presidente Interino da Província de Minas Gerais, com a missão de “sustentar e defender a Constituição, o Estado e o Trono, libertando o Imperador da influência perniciosa de uma oligarquia cega de ambição e capricho, que oprime o povo e desdoura o Trono”.
O movimento ganhou força rapidamente e logo as Câmaras e Corpos da Guarda Nacional das principais cidades mineiras, tais como Queluz (atual Conselheiro Lafaiete), Lavras, Oliveira, Santa Bárbara, São José del-Rei (atual Tiradentes), Bonfim, Curvelo, Baependi, Aiuruoca, Sabará, Caeté, Paracatu; e as lideranças dos mais importantes arraiais, como Turvo (atual Andrelândia), Bom Sucesso, Cláudio, Dores do Indaiá, Tiros, Santa Luzia do Rio das Velhas, Santo Antônio do Amparo, São Tomé das Letras e muitos outros proclamaram adesão à revolta dos liberais e os combates com as forças legalistas, que tentavam resgatar o controle da situação em Minas, logo começaram a ocorrer.
O Exército Imperial, com a missão de sufocar o movimento rebelde, era comandado pelo Barão de Caxias, que depois de pacificar a Província de São Paulo, rumou para Minas Gerais, fazendo com que os insurrectos fossem retrocedendo da região de São João del-Rei para Conselheiro Lafaiete e, posteriormente, para Sabará, onde houve duro combate no dia 12 de agosto, saindo vitoriosos os revolucionários.
No dia 14, a tropa rebelde, com cerca de 3.300 homens, retirou-se para o Arraial de Santa Luzia do Rio das Velhas, que passou a ser preparado como palco para um novo enfrentamento bélico, que viria a ser o último da Revolução.O engenheiro militar húngaro Franz Wisner von Morgenstern (1804-1878) foi deslocado para Santa Luzia com a responsabilidade de estabelecer os locais das trincheiras que seriam cavadas para o combate.O Quartel General dos revolucionários foi instalado na casa do Padre Manuel Pires de Miranda, atual sede do Museu Aurélio Dolabella, onde os líderes do movimento, entre os quais José Feliciano e Teófilo Ottoni, se reuniam.
No dia 17 de agosto, José Feliciano Pinto Coelho reuniu os chefes principais comunicando-lhes a intenção de enviar emissário ao Barão de Caxias com a proposta de deposição de armas, mediante uma anistia geral. Entretanto, opuseram-se os consultados, que preferiram a luta. Lamentavelmente, Feliciano Pinto Coelho fugiu e abandonou os revolucionários na madrugada do dia 20, causando enorme baque moral na tropa.
Sabendo do deslocamento de Caxias para Santa Luzia, o Estado Maior dos rebeldes deliberou que Antônio Nunes Galvão ocuparia a região do alto do Tamanduá com a sua tropa. Manoel Joaquim de Lemos, Joaquim Martins de Oliveira e Francisco José de Alvarenga guarneceriam a estrada que ligava Lapa (atual Ravena) a Santa Luzia. O batalhão de Santa Quitéria (atual Esmeraldas) foi posicionado acima da Ponte Grande sobre o Rio das Velhas e os Batalhões de Santa Bárbara e Santa Luzia ficaram encarregados de proteger o arraial, em torno do qual, sob as ordens do engenheiro austríaco Wiesner vonMorgenstern, foram cavadas diversas trincheiras. Atiradores rebeldes foram posicionados estrategicamente pelo arraial, inclusive nas torres da Igreja Matriz.
Caxias dividiu sua tropa em três colunas e marcou o ataque contra Santa Luzia para ocorrer na manhã do dia 21 de agosto. A primeira coluna, com 460 Guardas Nacionais do Presídio de Rio Preto, sob o Comando do Tenente-Coronel Francisco de Assis Ataíde e direção do Major José da Vitória Soares de Andrea, partiu de Sabará no dia 19, margeando o Rio das Velhas, com o intuito de tomar a Ponte Grande de Santa Luzia. A terceira coluna partiu de Caeté no dia 18 rumo à estrada que ligava o Arraial da Lapa a Santa Luzia. Era comandada por José Joaquim de Lima e Silva, irmão de Caxias. Na madrugada do dia 20 a segunda coluna, comandada por Caxias, partiu de Sabará rumo a Santa Luzia, pretendendo se estabelecer a cerca de uma légua e meia para iniciar o ataque no dia seguinte.
A batalha de Santa Luzia
Ocorreu que um desertor do Exército Imperial havia comunicado a data prevista para o combate aos rebeldes, que tomaram a iniciativa de surpreender o inimigo na manhã do dia 20, quando Galvão, que estava na região do Tamanduá, abriu fogo contra a coluna de 800 homens comandada pessoalmente pelo Barão de Caxias por volta das 8.30h. Os rebeldes contavam com número superior de soldados e se valiam, inclusive, de uma peça de artilharia de calibre 03 posicionada em um morro, ou seja, em local privilegiado, o que fez com que Caxias tivesse que recuar sua posição, por estar em condições de inferioridade. A batalha parecia estar ganha pelos liberais.
Entretanto, o Coronel José Joaquim de Lima e Silva, irmão de Caxias, que estava com sua coluna posicionada na estrada da Lapa, ao ouvir o barulho da artilharia, percebeu que os planos haviam sido alterados e resolveu flanquear a tropa liberal que avançava contra o seu irmão, não encontrando maiores resistências. Tal manobra colocou os revolucionários entre fogo cruzado, e Caxias, em pessoa, comandou uma carga de baioneta contra os inimigos, que entraram em posição de desvantagem e começaram a retroceder rumo ao Arraial. O combate foi renhido e o palco da batalha, segundo o próprio Caxias, “ficou juncado de cadáveres e correu o sangue como água”.
Aos poucos o Exército Imperial foi avançando e tomando as posições dos revolucionários em Santa Luzia, o que não se conseguiu sem resistência. Há registros históricos que confirmam que a Igreja Matriz e outros prédios utilizados pelos revolucionários ficaram cravejados de balas após o combate. O fim do enfrentamento se deu por volta das 15.30h, quando os legalistas tomaram o Quartel General dos rebeldes.
Em 22 de agosto foram sepultados sete corpos de combatentes do Exército Imperial no interior da Igreja Matriz de Santa Luzia. Dos liberais, no cemitério da cidade foram sepultados os corpos do Capitão Antônio Torquato (crioulo forro de 52 anos de idade), de Josefa Parda (atingida por uma bala perdida) e de Francisco Pardo, de 24 anos de idade. No cemitério da Fazenda das Bicas, no dia 25, foi sepultado um escravo de quatorze anos, de propriedade do Capitão José da Rocha de Souza, que fora baleado durante a guerra. Esses foram os sepultamentos oficialmente registrados, mas como os legalistas tiveram cerca de 30 mortos e os rebeldes cerca de 60, há indícios de que os corpos desses combatentes tenham sido sepultados em um cemitério improvisado no próprio campo de batalha, na região do Córrego das Calçadas, conforme registro feito no mapa elaborado pelo engenheiro Halfeld, integrante da tropa legalista.
Pesquisas arqueológicas poderão encontrar a exata localização do campo santo.
Tomado o Arraial de Santa Luzia, cerca de 300 prisioneiros foram feitos por Caxias, entre eles os principais líderes revolucionários, que decidiram não empreender fuga. No dia seguinte eles foram enviados a Ouro Preto para posterior julgamento, incluído Teófilo Ottoni.
Pela coragem e tenacidade com que lutaram os rebeldes no palco derradeiro da Revolução Liberal de 1842, os integrantes do movimento insurgente passaram a ser chamados de “Luzias”, expressão que se transformou, desde então, em sinônimo de destemor e bravura.
Nas palavras do historiador Augusto de Lima Júnior:
A batalha foi perdida sob o aspecto militar e político. Mas foi ganha para a História. Wellington derrotou Napoleão em Waterloo, mas Napoleão continuou maior do que Wellington. Nem sempre ganha quem é o maior. Ainda hoje no Brasil, os que lutam pela liberdade e pelos bons costumes tem o apelido de “luzias”. É a memória da batalha de 20 de agosto de 1842, no Arraial de Santa Luzia do Rio das Velhas. Santa Luzia sempre guardou com orgulho as cicatrizes dessa luta.
LINHA DO TEMPO DA REVOLUÇÃO LIBERAL DE 1842 |
1º DE MAIO
Decreto do imperador Pedro II extingue a Câmara dos Deputados, constituída por maioria liberal, gerando revolta em todo o país. |
17 DE MAIO
Eclode a revolução dos liberais em Sorocaba – SP. Tobias de Aguiar é aclamado presidente da província. |
10 DE JUNHO
José Feliciano Pinto Coelho, futuro Barão de Cocais, é aclamado presidente da província de Minas Gerais, na cidade de Barbacena. |
4 DE JULHO
Tropas legalistas lideradas pelo Barão de Caxias são derrotadas em Conselheiro Lafaiete. Teófilo Otoni é um dos líderes liberais. |
14 DE AGOSTO
É travado duro combate em Sabará. Rebeldes liberais saem vitoriosos. Barão de Caxias reforça a tropa para enfrentar o adversário. |
20 DE AGOSTO
Batalha final, em Santa Luzia. Cerca de 90 mortos. Barão de Caxias pacifica o império, debelando o movimento rebelde. |
22 DE AGOSTO
Sepultamento de combatentes na matriz de Santa Luzia. Por não se renderem, os revolucionários ficaram conhecidos como “Luzias”, sinônimo de bravura e destemor. |
Sepultamento de combatentes na matriz de Santa Luzia. Por não se renderem, os revolucionários ficaram conhecidos como “Luzias”, sinônimo de bravura e destemor.
*Promotor de Justiça em Santa Luzia.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Academia de Letras do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Artigo escrito para divulgação nas Revistas do IHGMG e ALMPMG
2 Comments
Marcia Santos
20 de agosto de 2018, 16:09Muito bom , Marcia Paulo . Parabéns! Abraços
REPLYGeraldo Costa
7 de outubro de 2018, 05:28Fico surpreso quando encontro um relato da nossa história tão esquecida. Parabéns ao autor!
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