Campanha pela volta de anjos em SL: marco no resgaste de bens culturais

Campanha pela volta de anjos em SL: marco no resgaste de bens culturais
Anjos barrocos que foram roubados e recuperados voltaram para o Santuário de Santa Luzia

Gustavo Werneck, Estado de Minas

Na janela de sua casa na Rua Direita e protegida do vento frio por um xale branco, a aposentada Luzia Vieira se espanta ao ver que já se passaram 15 anos desde o retorno, a Minas, dos chamados “Anjos de Santa Luzia” – três peças sacras de madeira policromada que iriam a leilão no Rio de Janeiro (RJ) e foram impedidas de comercialização por ordem judicial. Bem humorada e preferindo não revelar a idade – “tenho juventude acumulada”, brinca –, a moradora do Centro Histórico da cidade localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte se orgulha do depoimento que deu na época às autoridades.

Sem se arrepender, cita um pensamento: “A verdade é dura como um diamante e delicada como a flor de um pessegueiro”. Com isso, ela quer dizer que agiu em prol da comunidade e do patrimônio de Santa Luzia, que nasceu na época do ciclo do ouro e tem o Centro Histórico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). “Se os anjos andaram longe, voltaram para o lugar de origem”, afirma Luzia com a certeza do dever cumprido.

Em 25 de julho de 2003, a jornalista do Estado de Minas Anna Marina fez em sua coluna a denúncia de que peças barrocas mineiras então em poder de um colecionador nascido em Santa Luzia, na Grande BH, e radicado no Rio, iriam a leilão na capital fluminense. Ao ver as fotos dos anjos no jornal, e depois num catálogo da exposição, Luzia se lembrou de ver, quando criança, durante as coroações de Nossa Senhora, as peças que ficavam atrás do retábulo-mor. “Havia outros anjos, não sei que rumo tomaram”, diz Luzia.

A aposentada Luzia Vieira se orgulha do depoimento que prestou na época às autoridades
(foto: Beto Novaes/EM/DA Press)

Outra voz de suma importância nessa história de repercussão nacional foi a da advogada Beatriz de Almeida Teixeira, então vice-presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia. Na tarde de ontem, no Santuário de Santa Luzia, Beatriz, mais conhecida como Beata, afirmou que a campanha pela volta dos anjos foi um marco na preservação e resgaste dos bens culturais em todo o país. “Foi a partir daí que houve mais diretrizes e políticas para o patrimônio cultural”, afirma Beatriz.

A presidente do Iepha, Michele Arroyo, explica que a campanha pelo resgate dos bens culturais é importante e emblemática em dois aspectos: pela articulação dos órgãos do patrimônio cultural e participação das comunidades, especialmente quanto à identificação de imagens e outros objetos. “Há, nesta ação, o encontro das responsabilidades pública e civil.”

Há 10 anos, uma portaria do Iepha buscou organizar o setor com um cadastro para reunir as informações sobre as peças desaparecidas e um detalhamento do inventário de bens de 65 igrejas, perfazendo 2,5 mil objetos sacros. “Queremos chegar a 6 mil, com fotos, descrição, iconografia, história e outros dados fundamentais para monitoramento e conservação. Esperamos avançar muito mais e, futuramente, disponibilizar as informações, pois, quando mais se divulga, mais difícil fica o extravio”, afirma a presidente.

Divisor de águas
Quem chega ao Santuário de Santa Luzia, na Praça da Matriz, no Centro Histórico, pode ver dois anjos ladeando a tarja do arco-cruzeiro e outro, o do sepulcro, no coroamento do altar de Nosso Senhor dos Passos – é bom ressaltar que essas peças teriam sido vendidas, e não roubadas. Para especialistas, a história da preservação do patrimônio cultural de Minas tem um divisor de águas caudaloso: a mobilização em Santa Luzia se propagou em todo o estado e as comunidades passaram a lutar pela volta de obras de arte e de peças sacras desaparecidas, ao longo do tempo, de igrejas, capelas, museus e prédios públicos. Foi um grito contra o furto de peças sacras e outras obras de arte que movimentam o comércio clandestino. De acordo com a Interpol, só é superado, no mundo, pelo de drogas e armas.

foto: A advogada Beatriz de Almeida Teixeira diz que a partir dessa campanha houve mais diretrizes e políticas para o patrimônio cultural)

De forma pioneira, Minas passou a ter uma política específica para a preservação do acervo histórico, algo inédito no país, contando com a participação de instituições públicas e privadas. Outro setor que ganhou força foi o de educação patrimonial, disseminado de forma ampla na capital e no interior e com resultados positivos entre os jovens, disse ao EM o promotor de Justiça da comarca de Santa Luzia, Marcos Paulo de Souza Miranda, ex-titular da Coordenadoria das Promotorias de Justiça do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC). Na época, começaram a trabalhar de forma integrada as secretarias estaduais da Cultura e da Defesa Social, Iepha, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), polícias Federal, Militar e Civil, ministérios públicos Federal (MPF) e de Minas Gerais (MPMG), Igreja, Associação das Cidades Históricas e outros.

Em matérias diárias, a equipe de jornalistas denunciou a dilapidação dos templos barrocos, divulgando, igualmente, ações positivas, do poder público ou da comunidade, para garantir a integridades dos tesouros mineiros. Numa iniciativa do MPMG, foi criado um serviço de inteligência, com banco de dados, para localizar e identificar peças sumidas, enquanto a Interpol faz um rastreamento internacional.

À frente da luta dos moradores de Santa Luzia estava a advogada Beatriz de Almeida Teixeira, então vice-presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, entidade que ajuizou ação para recuperar as peças. Na época, por determinação do então juiz da 2ª Vara Cível de Santa Luzia Jair Eduardo Santana, o conjunto foi excluído do leilão no Rio. Na sede do Iepha (foto), os anjos foram periciados para comprovar origem e autenticidade pela equipe da arquiteta Selma Miranda. O resultado mostrou que as peças eram mesmo do Santuário de Santa Luzia, para onde retornaram em 10 de agosto de 2003.

FAÇA CONTATO

Qualquer informação sobre as peças desaparecidas de Itatiaia, em Ouro Branco, ou de outra cidade mineira, deve ser comunicada aos órgãos competentes. Veja como fazer:

MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS, VIA COORDENADORIA DAS PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DE DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL E TURÍSTICO (CPPC)

pelo telefone (31) 3250-4620, por email seccultural@pmmg.mp.br ou carta para Rua Timbiras, 2.941, Bairro Barro Preto, Belo Horizonte, CEP 30.140-062

IPHAN

(31) 3222-2440 / (61) 2024-6342 /

(61) 2024-6355 / (61) 2024-6370 –

depam@iphan.gov.br,

cgbm@iphan.gov.br e

faleconosco@iphan.gov.br

IEPHA

(31) 3235-2812 e

(31) 3235-2813 –

www.iepha.mg.gov.br

POLÍCIA MILITAR

Disque-denúncia – 181 e (31) 3741-

1253 (65ª Cia. de PM)

ASSOCIAÇÃO SOCIOCULTURAL OS BEM-TE-VIS

(31) 98526-9053 (WhatsApp) e

www.osbemtevis.org.br

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