Coronavírus: mais de 100 mil mortos. E uma história triste que passa por SL

Coronavírus: mais de 100 mil mortos. E uma história triste que passa por SL
Há internados no Hospital de São João de Deus, mas a maioria dos mais de 385 casos em Santa Luzia está se tratando em casa

Gustavo Werneck, Estado de Minas

O Brasil superou no final de semana a marca de 100 mil mortos pela COVID-19 – 51 dessas mortes em Santa Luzia – e traz, à sombra desse gigantesco e trágico número, os rostos que ainda não se acostumaram com a perda de pai, mãe, irmãos, marido, mulher, avós, tios, sobrinhos e outros familiares queridos. Com o total de óbitos, o país segue em segundo lugar no mundo, atrás dos Estados Unidos.

O Estado de Minas publicou neste domingo(09) um caderno especial contando a história e o calvário de mineiros que sucumbiram à doença declarada oficialmente pandemia, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 11 de março. Entre eles, Alexandre Ferreira de Souza, cuja filha reside no bairro Frimisa.

Em cinco meses, o número 100 mil é maior do dobro de mortes violentas (41.635) no país em 2019, e deixa a longa distância os óbitos (5.332) em acidentes nas rodovias federais e os 2.836 homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de mortes, registrados no ano passado no país. Para comparar, vale recorrer também às cidades japonesas destruídas por ataques nucleares, há 75 anos, ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em Nagasaki foram 75 mil mortos, enquanto em Hiroshima,140 mil.

Em Santa Luzia, de acordo com boletim da Prefeitura Municipal do dia 7 de agosto, 51 pessoas já morreram em consequência da Covid e outras 385 estão recebendo tratamento contra a doença. A maioria deles em casa.

É no meio desse cenário desolador que os familiares se encontram, perdidos na rapidez dos acontecimentos, ainda sem entender direito como, em pouco tempo, os verbos passaram a ser conjugados no passado. Com ar de interrogação, os brasileiros se perguntam se existe saída. Para especialistas, há vários caminhos a seguir, e eles passam pelo fortalecimento do sistema de vigilância epidemiológica e sanitária, adequação de laboratórios de pesquisa, mais unidades de referência para as doenças infecciosas na rede SUS (Sistema Único de Saúde) e investimentos em saúde e educação.

A resposta do epidemiologista mineiro Wanderson Kleber de Oliveira é “sim, há saída”, numa visão otimista quanto à disponibilidade de vacina no segundo semestre de 2021. Mas a imunização não basta. Segundo ele, que foi secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e se tornou braço direito do ministro Henrique Mandetta, há muito por fazer para que outras epidemias, no futuro, não tomem o Brasil de assalto. Entre as orientações, planos de emergência em todos municípios e inclusão do tema nos currículos escolares.

Lavrador, barbeiro, comerciante e vereador por quatro mandatos

Alexandre Ferreira de Souza, 92 anos conhecido como Pistolo,tem uma filha moradora da Frimisa

Se alguém chegasse a Augusto de Lima, no Norte de Minas, e perguntasse por Alexandre Ferreira de Souza, certamente receberia um olhar de interrogação. Mas se mencionasse Pistolo (pronuncia-se Pistôlo), o endereço seria dado no ato. É que o apelido de juventude ficou grudado como se fosse tatuagem e nunca mais de separou do homem que foi lavrador, barbeiro, comerciante e vereador por quatro mandatos.

Há pouco mais de um mês, em 3 de julho, Alexandre, aos 92 anos, deixou de ser um dos moradores mais populares da terra natal, que amava tanto, para se tornar um personagem de muitas histórias e lembranças. Cardiopata, ele morreu devido a complicações causadas pela COVID-19, num hospital de Belo Horizonte, onde reside parte da família, e foi enterrado em Augusto de Lima, como era seu desejo.

“O que nos deixou mais tristes foi não ter podido velar o corpo do nosso pai, receber o abraço dos amigos, enfim, ficado mais perto dele nos últimos instantes”, lamenta a professora de matemática Luciana Ferreira de Souza Lopes, de 51, moradora da Frimisa. A saudade é tamanha, diz Luciana, que muitos dos filhos não se conformam com a perda. ” Está difícil de aceitar, foi tudo muito rápido e está recente demais”.

Alexandre num momento de descontração, com a mulher Celenita

A idade nunca foi um peso para Alexandre, que estava cheio de planos. Em 26 de novembro, completaria 60 anos de casado com Celenita de Souza Viana Ferreira, de 77, união que gerou sete filhos – Letícia, Gilberto, Leonice, Gelson, Luciana, Linalva e Alexandre Júnior -, dez netos e nove bisnetos. Seria uma festa para reunir toda a família, os parentes e amigos, afinal Alexandre gostava de uma boa roda de violão, melhor se tivesse sanfona e muita gente. “Estava bem ativo, animado”, conta a professora.

Os dias não têm sido fáceis para a família. “Minha mãe é mais forte do que todos nós, mesmo se recuperando de uma cirurgia no joelho. Está fazendo fisioterapia e só fica triste, quando nos vê chorando.” Luciana revela que o novo coronavírus entrou na “casa” de Alexandre e Celenita pela “porta” de um hospital de BH, onde ela fez a cirurgia no joelho que apresentava desgaste devido a osteoporose. O marido veio visitá-la no período pós-operatório e foi contaminado, o mesmo ocorrendo com outras pessoas da família.

A não ser pela saudade, que só o tempo ameniza, todos estão bem. “Meu pai nos ensinou o caminho da retidão, da honestidade, deu o exemplo. Na despedida em Augusto de Lima, havia faixas para homenageá-lo. Se não tivemos abraços, as palavras serviram de conforto”, agradece Luciana.

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