Paulo Nazareth: do Palmital para o mundo

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  • 25 de março de 2018
Paulo Nazareth: do Palmital para o mundo
Tido como o ‘reinventor da performance’, mineiro expõe nas bienais de Lyon, na França, e Veneza, na Itália, e em museu de Oslo, na Noruega

“Paulo Nazareth, que diz ser branco, negro e índio, é incensado pela crítica como o maior nome negro das artes do país. Entre colecionadores, ele virou uma coqueluche incontornável com seu autorretratos fingindo ser um andarilho a desbravar a América” Silas Marti, Folha de São Paulo, março/2017

Audrei Furlaneto

Paulo Nazareth já foi jardineiro, guardador de carro, padeiro, agente de saúde, faxineiro, vendedor de muamba do Paraguai, trocador de ônibus e pintor de letreiro. Vendeu limão, urucum, feijão, picolé, cocada, sabão de coco, bananada e pipoca. Perdeu seu ponto na feira do Palmital, em Santa Luzia, quando começou as caminhadas pela arte contemporânea. Nazareth andou por um ano. Foi a pé de Minas a Miami, fotografando-se em diferentes pontos do trajeto com cartazes em que se lia, por exemplo, “I clean your bathroom for a fair price” (“Limpo seu banheiro por um preço justo”), até estacionar, em 2011, uma kombi recheada de bananas na feira Miami Basel, para a irônica instalação “Art market/Banana market”.

No caminho tortuoso que inventou, passou até pela Argentina, voltou cruzando aldeias indígenas até o centro do Brasil, rumou pela América Central, perdeu o passaporte e ganhou o título de artista exótico do momento. Suas caminhadas foram vistas como “a reinvenção da performance” pelo curador islandês Gunnar Kvaran, que o escalou para a 12ª Bienal de Lyon (em cartaz até 5 de janeiro de 2014), e ele próprio como alguém que “lida com a posição de artista fora do circuito de uma forma muito diferente, inédita”, segundo o curador italiano Massimiliano Gioni, que o levou à Bienal de Veneza (até 24 de novembro). Ele ainda figura entre o grupo de 27 artistas brasileiros que formam a mostra “Imagine Brazil”, aberta no Museu Astrup Fearnley, em Oslo, na Noruega, no último dia 11.

Depois do périplo que fez dele o queridinho esquisito da arte contemporânea, Nazareth, 36 anos, voltou à feira de rua em Palmital. Recuperou o ponto que havia perdido e, aos sábados e domingos, voltará a anunciar sabão caseiro (feito com gordura de porco e de galinha), cocada, bananada e cana picada para mascar. “Inaugurada” em 2004 e reinstalada agora, sua barraca tem nome: Paulo Nazareth Arte Contemporânea Ltda. Se as suas caminhadas são arte, por que não o é uma barraca de feira?

Rumo à áfrica

De chinelo de dedo, cabelo crespo armado, roupas simplórias, ele, bem como o discurso que adota, tem pouco do hype que rege o meio artístico. O mineiro mandou os índios Genito Gomes e Valdomiro Flores à porta de sua instalação na Bienal de Veneza. Até agosto, os dois contavam ao público da mostra (uma elite consumidora de arte) as violências sofridas por suas etnias. Segue na exposição sua instalação, formada por maços de vela com imagens de santos (a mãe do artista vive a fazer promessas para que o filho vingue no novo ofício), defumadores, garrafas de bebidas que consumiu nas caminhadas etc. Mas ele próprio não foi a Veneza. Nunca esteve na Europa.

— O centro do mundo é onde nós estamos — diz o artista. — Não tenho necessidade de ir até lá. Gosto muito dos lugares onde a vida acontece, e nem todos os barcos seguem para a Europa.

“Não me esqueçam quando eu for um nome importante”, diz o cartaz

É de barco que, até o fim do ano, Nazareth deve ir à África. Imagina que serão 30 dias de viagem, nos quais poderá fotografar e refletir sobre o projeto “Cadernos de África”, sua obra em progresso desde o ano passado e que está agora exposta na sede principal da Bienal de Lyon, na França. O artista mineiro vem registrando o que há de África no Brasil, começando pela cozinha de sua casa até o outro lado do oceano. A obra em Lyon reúne de um par de chinelo de dedo a fotos em que ele ergue cartazes onde se lê “Respect” ou “Preto”.

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Antes da viagem à África, mandará instruções para que outra peça sua seja instalada na mostra do Astrup Fearnley. Trata-se de “Bureau de la langue”, uma instalação com dicionários de diferentes idiomas, além de vídeos e fotos. Como o artista diz ter visto muitos imigrantes árabes que não falam sequer uma palavra em norueguês, quer que um imigrante, a ser encontrado por lá, fique na porta da instalação, “apresentando palavras em sua língua materna”.

As instruções e os detalhes das obras são pensadas por ele da casa em Palmital e de um “tekoha” (ou aldeia, mas ele prefere a palavra em guarani), no município de Aral Moreira (MS), onde ele vive desde o final do ano passado, a fim de se tornar um guarani kaiowá.

O artista é formado em desenho e gravura pela Escola de Belas Artes da UFMG

— O “tekoha” é o lugar onde nós somos como somos, como nossos ancestrais foram e nós seguimos sendo.

Nazareth conta que chegou à aldeia numa quinta-feira de chuva em dezembro de 2012, dia em que “as 14 portas do universo estavam abertas”. Ele sai (e volta) algumas vezes — esta entrevista foi concedida da galeria que o representa, a Mendes Wood, em São Paulo, onde ele resolvia detalhes de sua exposição em Lyon; viajou de ônibus e planejava voltar no mesmo dia a Belo Horizonte. A galeria cuida de vender suas obras, embora o próprio artista também as venda.

— Tenho obras a partir de R$ 0,10, mas estas você compra comigo. Tenho vício de vender barato (risos), aí a galeria fala: “Deixa que a gente vende porque você dá prejuízo!” — diz ele, para em seguida, ponderar: — O trabalho vai além da galeria, do museu e das bienais, que são como um braço que está no caminho, mas o trabalho não é feito para isso, é feito para uma outra instância, a instância da vida. O objeto de arte não é um objeto palpável, mas a proposição, o conceito, a experiência que existe sem a galeria, que não exige uma exposição. O que a galeria faz é trazer essa possibilidade de alguns poderem ter a experiência desse lugar, mas não é o fim.

O curador da Bienal de Veneza diz que Nazareth “se dirige do lugar de pós-colônia, parte do diálogo de culturas diferentes, está distante desse ‘mundo normal’”.

— E isso me pareceu muito apropriado no contexto da Bienal. Porque essa é também uma exposição sobre museus. E é óbvio que essa ideia de museus está conectada à colonização. O trabalho de Paulo nos ajuda a lembrar do aspecto colonial dos museus — completa Massimiliano Gioni.

Para o artista, o que faz é mais além, é o que chama de “arte de conduta”.

— Existem as performances, mas é mais: é como eu me comporto diante do mundo. Posso decidir permanecer aqui no Centro de São Paulo ou posso me conduzir de uma outra maneira. O objeto de arte está na maneira como eu decido me conduzir, me comportar diante do mundo. É arte de conduta, arte de comportamento, performance expandida e, ao mesmo tempo, diluída. Não é um espetáculo, vai se misturando e se fazendo vida.

Este artigo foi publicado pelo jornal O Globo, em 28 de outubro de 2013.

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4 Comments

  • Carlos
    26 de março de 2018, 15:34

    Sera que ele ainda expõe na Savassinha, em São Bené?

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    • Maya Santana@Carlos
      26 de março de 2018, 16:19

      Não sabemos se ele ainda expõe lá. Abraço pra você, Carlos.

      REPLY
    • Júlio Nazareth@Carlos
      21 de abril de 2021, 17:00

      Paulo Nazareth saiu do do Palmital e não do São Benedito! Ass. Júlio Nazareth, assitente do artista Paulo Nazareth…

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      • Maya Santana@Júlio Nazareth
        30 de abril de 2021, 13:41

        Júlio, muito obrigada pela sua mensagem. Nós fizemos a correção. Forte abraço para você e para o grande Paulo Nazareth!

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