Paulo Giovannini*
Gosto de caminhar pelas ruas de Santa Luzia. Enquanto caminho, observo. Caminhar e observar não são atividades dissociadas uma da outra, como se poderia pensar. Uma é conseqüência da outra. No caminho, observo sujeira, buracos nas vias públicas e calçadas. Fachadas comerciais tão feias que mais afugentam do que atraem os clientes. Para completar o caos urbano, caixas de som gritam em volume máximo aqueles ritmos que ferem de morte nossos tímpanos e nossa alma.
O pouco que resta da pintura das faixas para pedestres não é suficiente para mostrar aos motoristas a regra simples de trânsito. Verdade seja dita, ainda que tais faixas estivessem nítidas, daria no mesmo. Questão de educação.
Percorro a cada dia uma parte da cidade, na esperança de encontrar algo que me faça reviver fatos e paisagens agradáveis. Aquilo tão comum anos atrás. Vislumbrar algo novo que me traga a esperança de viver em uma localidade onde o poder público cumpra seu papel de zelar pelo bem de todos. Quase sempre, em vão.
Digo quase sempre, porque dias desses, subindo a estrada que margeia o fórum da cidade, avistei o improvável. Surpresa boa que mereceu da minha parte atenção especial: o que vi lavou-me a alma, trazendo de volta a esperança. No canteiro central da via, dezenas e dezenas de mudas do que me pareceu ser ipês foram plantadas de maneira a formar um futuro bosque. Fiquei deslumbrado: enfim, um movimento ao encontro da natureza, do belo.
Atividade simples, mas de grande significado. O simbolismo representado pelo ato não é desprezível. Imagino as pessoas, contaminadas pela convivência com uma natureza exuberante, se transformando. Ao invés de agredi-la, passariam a protegê-la. Notei ainda, com maior espanto, coisa rara: cercas cuidadosamente colocadas em redor de cada uma das mudinhas. Trabalho caprichado, como se tivesse sido feito sob a administração de feitores mais exigentes.
O que via não é o habitual aqui em Santa Luzia, cidade cujas autoridades não demonstram há muito aquele cuidado, privilégio reservado a administradores sensíveis.
Já que estava ali, quis andar pelo futuro bosque e sentir, por antecipação, o que o futuro próximo me reservava. Agora, nova surpresa. E essa me desanimou. Após os primeiros passos, caí em um buraco enorme. Não em um buraco natural do terreno. Era parte de uma imensa cratera que fora aberta com terra e forração arrancadas para alojar a pequena muda de ipê. Pareceu-me que as covas tinham sido feitas por escavadeiras. Exagero. Falta de cuidado, denotando que as pessoas que fizeram as cercas com tanto zelo não eram as mesmas que cavaram os buracos.
Aqui vale uma reflexão: devemos sempre estar presentes na tarefa que estamos executando, como se fora ela a única a fazer. Se estou cavando uma cova para o plantio de uma árvore, devo pensar apenas em fazer a cova, sem me preocupar com o que fiz antes nem com o que farei depois. Dessa forma, meu trabalho trará benefícios para todos. Incluindo aí todos os seres vivos, isto é, toda a natureza.
O problema é que ao fazer as pessoas ainda estão com o pensamento no que fizeram e no que irão fazer lá na frente. O resultado é um desastre completo. Se vamos cavar uma cova, pensemos só na cova que estamos fazendo. Este é o nosso presente, o nosso agora. Só podemos viver o presente. O passado já passou e o futuro é o presente que ainda não chegou.
Os orientais já praticam há muito a sabedoria do aqui e agora. Imagine você como seria mais prazeroso se nos colocássemos por inteiro na simples tarefa de fazer uma cova, sem pressa, pensando apenas em acolher uma nova árvore no seio de uma terra gostosa. A alegria sentida pela muda nos contagiaria de tal forma que, aos poucos, não saberíamos o que é ansiedade.
Após o plantio, vem o momento seguinte: recolocar a terra removida em seu devido lugar, como se estivéssemos abraçando a arvorezinha. Como todo trabalho bem feito, chega o momento da limpeza do local: removemos a terra e o capim que sobraram, levando-os para lugar adequado. Só então, fazemos a cerca. Cada coisa em seu momento. Viver o aqui e o agora é método de cura. Felizmente, embora com atraso, a sabedoria milenar dos orientais está sendo mais difundida aqui no ocidente.
Não há alternativa mais adequada. Recorremos ao passado apenas por questões práticas. O futuro só o viveremos quando for presente. Simples assim. Dessa forma, evitaremos depressões e ansiedades que tanto mal trazem consigo.
Volto para casa, com uma certeza: se agora, se hoje, fazemos o nosso melhor, o amanhã certamente será melhor.
*Paulo Giovannini, cirurgião dentista, nasceu e sempre morou em Santa Luzia
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