“O dia em que o Solar (da Baronesa) deixar de fazer parte da paisagem da cidade Santa Luzia perderá parte do seu DNA” – Márcio de Castro Silva, então Presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, em 2006
Luzias
Neste último mês de 2021, Santa Luzia deveria estar em festa, pois, finalmente, será dado início às obras de restauração de um dos casarões mais importantes do patrimônio histórico luziense: a sede do Museu Aurélio Dolabella, único na cidade, fechado desde 2014. A Prefeitura expediu convites para a população acompanhar a cerimônia, que será realizada nesta segunda-feira(06), às 09h30m, na velha construção, em frente da Igreja Matriz. Mas o clima de contentamento cedeu lugar a uma enorme preocupação, quando moradores tomaram conhecimento que a Justiça determinou o embargo do Solar da Baronesa, o mais imponente da cidade e um dos mais bonitos de Minas Gerais, porque o sobrado “encontra-se em péssimo estado de conservação, correndo risco de desabamento e incêndio.”
Diante do estado lastimável do interior do prédio, que estaria se inclinando para a direita, a 2ª Vara Cível da Comarca de Santa Luzia concedeu, na terça-feira (30), a tutela provisória de urgência e determinou a interdição e a desocupação imediata do pessoal da Secretaria Municipal de Cultura, que funcionava no local até então. “Há sério risco de agravamento da situação irregular, com iminente perigo de vida a todos os presentes no local, além de possível desabamento ou incêndio em desfavor do patrimônio tombado” – diz a juíza Marina Souza Lopes Ventura Aricodemes na sua decisão.
PARTE FUNDAMENTAL DA HISTÓRIA DA CIDADE
Construido por volta de 1820, na Rua Direita, em pleno centro histórico, o Solar da Baronesa recebeu esse nome porque foi edificado e serviu de residência da Baronesa de Santa Luzia, Maria Alexandrina de Almeida, e de seu marido, o Barão de Santa Luzia, Manoel Ribeiro Viana. Após a morte do Barão, em 1844, ela casou-se novamente com Quintiliano Rodrigues da Rocha Franco (1778-1854), segundo Barão de Santa Luzia. Ele também morreria 10 anos após o casamento. Já doente, a baronesa, que era baiana, resolveu voltar à Bahia, em meados do século 19. Documentos mostram que a sobrinha de Maria Alexandrina, Maria do Carmo de Almeida, acabou vendendo o sobrado para a Câmara municipal de Santa Luzia por “sete contos de réis.”
O sobrado ocupa 1.057,38 m2 e fica exatamente em frente da Rua Baronesa de Santa Luzia, antigo Beco da Rua Nova( de onde se avista o Hospital de São João de Deus, criado pela baronesa). É dividido em cômodos amplos. Possui uma capela com painéis decorados e salões com forros em gamela revestidos de linho, adornados de talhas douradas à maneira rococó, muitos deles policromados, seguindo a tradição local. Seu valor arquitetônico e histórico é tamanho, que foi tombado, em dezembro de 1998, pelo Iepha/MG, Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, como “Imóvel de Preservação Rigorosa.”
VISITADO POR DOM PEDRO II
Documentos históricos atestam : “O solar da Baronesa de Santa Luzia é a edificação civil mais significativa do conjunto urbano tombado do município de Santa Luzia/MG. Documentos afirmam que está registrado no diário do imperador Dom Pedro II suas impressões sobre a edificação, onde ficou hospedado. A edificação também é citada em livros de memórias de viajantes estrangeiros que desbravavam a região no século XIX. Na segunda metade do século XX, devido a sua relevância histórica e arquitetônica..”
Além de várias famílias importantes da cidade e de Minas que moraram lá, o prédio serviu de sede do primeiro educandário a oferecer o curso ginasial completo, que corresponderia aos atuais ensino fundamental e médio. O Ginásio Santa Luzia se transformou no Colégio Estadual Geraldo Teixeira da Costa. Pelas suas salas passaram moradores da cidade que se destacaram nas artes, no Direito, no jornalismo, na engenharia, na área empresarial e tantas outras. Mais tarde, foi sede da Prefeitura. Quando decidiu-se pela transferência da administração municipal para as antigas instalações do frigorífico da Frimisa, a Associação Comunitária Cultural de Santa Luzia, que tinha na presidência o médico Márcio de Castro Silva, assumiu a responsabilidade pela construção.
SERIA A SEDE DO MUSEU DA MULHER
Foi em 1999 que a Prefeitura cedeu o sobrado à Associação Comunitária por 20 anos, renováveis por outros 20 anos. A Associação moveu mundos e fundos e conseguiu concluir, em meados de 2006, uma das mais completas restaurações do solar, que lhe devolveu o esplendor, após o investimento de mais de 1 milhão de reais obtidos por meio de um projeto cultural aprovado no Ministério da Cultura. A Associação Cultural Comunitária sonhava instalar ali o Museu da Mulher, o primeiro no gênero no Brasil. A ideia de criar o museu era da empreendedora cultural Ângela Gutierrez, criadora do Museu do Oratório, em Ouro Preto, e do Museu de Artes e Ofícios, de Belo Horizonte. Ela acreditava que Santa Luzia era um lugar propício para a instalação do Museu da Mulher pelo fato de a cidade ter um nome feminino, do solar ter o nome da baronesa. E, também, pelo Mosteiro de Macaúbas, uma instituição feminina.
O tempo passou. Os ventos mudaram e o tão aguardado museu nunca saiu do papel. Em 2014, mesmo ano em que o Museu Aurélio Dolabella foi fechado para obras de restauração nunca realizadas, o prefeito Carlos Calixto (1947-2016) revogou o contrato com a Associação Cultural e tomou de volta o solar. “Tendo à frente o Dr. Márcio, nós nos reunimos diversas vezes com o prefeito e o secretário de Cultura da época, mas nossos esforços não foram reconhecidos pela prefeitura. Angela Gutierrez chegou a convocar a sua equipe para começar a proposta museográfica, mas a resposta da prefeitura foi negar o acesso ao prédio com o distrato do convênio de comodato”, conta o atual presidente da entidade, Adalberto Andrade Mateus.
Sete anos mais tarde, ao findar desse atribulado 2021, recebemos a trágica notícia de que esse patrimônio histórico de valor incalculável, de propriedade da população de Santa Luzia, de Minas Gerais e do Brasil, pode ruir a qualquer momento.
CIDADE PERDEU SEU GRANDE DEFENSOR
No auge do seu entusiasmo pelo trabalho de restauração do Solar da Baronesa, em 2006, Márcio de Castro Silva dizia que “mais relevante do que a obra em si é o fato de ter sido criado consciência na comunidade da importância da preservação de seus valores arquitetônicos.” Se essa consciência existe ou não passou de um sonho, o fato é que o médico angiologista, defensor ferrenho do patrimônio histórico luziense, morreu em 2015, assistindo à decadência dos grandes símbolos da história da cidade.
“Eu sempre digo “, nos lembrava ele ,”o dia em que o Solar deixar de fazer parte da paisagem da cidade, Santa Luzia perderá parte do seu DNA. Isso se aplica também às outras edificações, testemunhas do nosso rico patrimônio.”
4 Comments
Magaly
5 de dezembro de 2021, 13:55É um corte de navalha na alma luziense!
REPLYRosa Werneck
5 de dezembro de 2021, 15:21Uma tristeza em nossa Cidade! Nosso patrimônio de extrema riqueza indo para o ralo com um desgoverno!
REPLYMARIA INEZ Santana rick
5 de dezembro de 2021, 16:23Excelente este relato que aumenta a nossa tristeza e preocupação!!!!!
REPLYELCIO THENORIO
6 de dezembro de 2021, 09:49História muito interessante. Só não ficou claro porque e quando foi que a Câmara passou a propriedade do solar à Prefeitura.
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