Luzias
Ninguém de Santa Luzia está entendendo a pressa da Prefeitura em aprovar um projeto que prevê a construção de mais de 500 casas na antiga fazenda de Vicente Araújo, à beira do Rio das Velhas. Faltando dois dias para o Natal, em plena pandemia, com tantas restrições a aglomerações, a comissão municipal de Meio Ambiente volta a se reunir nesta terça-feira, pela terceira vez, em pouco tempo, a partir das 8:30, no auditório da Prefeitura, na Frimisa, para discutir o projeto Cidade Jardim, da empresa Emccamp Residencial, que vai levar para aquela área mais de 2.100 moradores. Há muitos apelos para que o Prefeito Christiano Xavier interceda e impeça a aprovação. Mas parece que essa não é a disposição dele. O Luzias, em plena campanha contra o projeto, publica abaixo a carta ao Ministério Público de Minas Gerais enviada pelo geógrafo e consultor ambiental Ricardo Figueira, morador de Santa Luzia há quase 40 anos, mostrando por que os moradores de Santa Luzia não podem aceitar esse tipo de ocupação da antiga fazenda.
Leia:
Prezados senhores promotores,
Na condição de profissional, munícipe e filho adotivo de Santa Luzia desde 1982 quando aqui passei a morar nestas terras, venho solicitar aos senhores promotores um acompanhamento especial ao processo que tramita na esfera municipal, este referente à análise de licenciamento prévio do empreendimento, até então conhecido por “Loteamento Cidade Jardim”, área marginal ao curso Rio das Velhas, antiga propriedade da família Vicente Araújo.
Na condição de geógrafo e consultor ambiental, trabalhei como analista oficial do Governo do Estado de Minas Gerais, coordenando licenciamentos de empreendimentos hidrelétricos, linhas de transmissão, projetos de mineração, rodovias, dentre outros, tendo exercida também exercido função semelhante na iniciativa privada, coordenando equipes na elaboração de todos os tipos de estudos ambientais visando a obtenção dos respectivos licenciamentos.
Não bastasse a minha experiência e expertise na prática ambiental, paralelamente, também me credenciei academicamente, tendo obtido diplomas em cursos de graduação na área, somados a alguns cursos de pós-graduação, um mestrado em “Análise Ambiental”, este concluído em 2000 no Instituto de Geociências – IGC da UFMG. Iniciei ainda, cadeiras em um doutorado na Universidade Federal de Uberlândia – UFU, porém, interrompido por impossibilidades de conciliação do mesmo com compromissos profissionais assumidos.
Atualmente, além de acompanhar alguns processos de licenciamento em nível estadual, estou exercendo um cargo de assessoria na Secretaria Municipal de Meio Ambiente da PBH, respondendo por licenciamentos urbanos na capital mineira.
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Este breve relato da minha vida profissional nestes quase 40 anos de experiência, servem, no momento, para atestar e certificar que tenho autoridade em minhas críticas para o respectivo processo, podendo assegurar que alguns equívocos processuais estão sendo cometidos.
A primeira questão em se observar e que deveria ter sido resultado de uma ação conjunta entre a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Santa Luzia/Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de Santa Luzia, seria em se fazer um licenciamento conjunto das duas pastas. Evidentemente, nesta primeira fase, antes de analisar quaisquer documentos técnicos, seria a verificação se os estudos são e estão completos, se atendem a legislação ambiental e urbana vigentes e se o empreendedor atendeu e providenciou toda documentação necessária e pertinente ao processo.
Superada esta fase, deveriam os titulares destas pastas municipais providenciar, como determina a legislação ambiental vigente, a montagem e composição de uma equipe técnica analista multidisciplinar, uma vez que para empreendimentos deste porte, a responsabilidade não pode ser atribuída a uma única pessoa, como parece estar acontecendo neste processo.
Para o licenciamento de um empreendimento como este, nestas propoções e nesta localização em área estratégica do município, no mínimo estudos bem feitos abordando áreas temáticas do meio físico, biótico e socioeconômico, compondo um EIA/RIMA e seu respectivo Plano de Controle Ambiental – PCA.
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Estes estudos deveriam buscar informações diversas nas áreas mencionadas de maneira a minimizar eventuais impactos ao ambiente, à faunas e flora, como e principalmente às condições de vida daqueles que moram e usam o entorno desta região.
Dentro destes estudos ainda deveriam estar inseridos os Estudos de Impactos de Vizinhança – EIV, o Relatório de Impacto de Circulação – RIC e estudos específicos de hidrografia/hidrologia, mesmo por que estamos falando de uma região que sempre passa por processos de constantes inundações…
Tudo isso sem mencionar e sequer foi mencionado nos estudos, que estamos discutindo sobre uma área em uma micro bacia, cuja cabeceira tem-se instalado, já há algumas centenas de anos, o único cemitério da sede do município.
Não foram feitos quaisquer estudos buscando identificar a qualidade das águas desta região, sendo, certamente, grandes possibilidades deste lençol freático estar sendo, há anos, contaminado por percolações de volumes consideráveis de necro-chorume advindo da putrefação dos corpos que ali foram sepultados.
Senhores promotores, em menos de três anos, esta vem a ser a segunda manifestação da sociedade luziense em desfavor deste empreendimento, que insiste em se licenciar, sem que haja estudos qualificados e que retratam a realidade dos fatos, dos aspetos positivos, mas e principalmente das diversidades e pontos negativos.
A sociedade não se apresenta contrária a estas iniciativas e projetos urbanísticos, se apresenta sim contra as formas como vêm sendo feitos estes licenciamentos, sem a clareza dos fatos, mas e principalmente, por uma situação em que não são esclarecidas dúvidas, onde os estudos são impostos de maneira autoritária, impositiva e mesmo ilegal, visto que sequer foram abertos prazos para realização e debates destes projetos em Audiências Públicas.
Estas Audiências Públicas correspondem a eventos que retratam as mais puras formas em se exercitar a democracia, onde se proporciona amplo conhecimento dos fatos, para que então se discuta os melhores caminhos.
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Uma sociedade que elege seus representantes merece mais respeito, mais consideração, mais apreço, mesmo por que aqueles que foram escolhidos são, na verdade, funcionários desta sociedade e a esta sociedade devem prestar contas de suas ações… “Democracia é um processo continuo do exercício da cidadania e não um ato isolado antes da eleição”…
Concluindo, acredito que o Ministério Público de Minas Gerais, por seus representantes legais, deve, de forma imparcial como notadamente são, interferir neste processo, não para impedir a implantação do projeto de parcelamento do solo, mas para ordenar este parcelamento, fazendo com que pelos preceitos da democracia, haja uma ampla discussão de maneira que todos os segmentos saiam satisfeitos, prevalecendo o dito popular em que “uma negociação somente é boa, quando ambas as partes saem satisfeitas”…
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