Santa Luzia recupera tradição medieval com procissão que termina no cemitério

Santa Luzia recupera tradição medieval com procissão que termina no cemitério
À frente, vão homens e mulheres com túnicas brancas carregando lanternas. Todos estão com o rosto coberto (foto: ESP/EM)

Gustavo Werneck, Estado de Minas

Moradores católicos de Santa Luzia, na Grande BH, participaram, na noite desta sexta-feira (12) – a última que antecede a Semana Santa –, da procissão da Encomendação das Almas. O cortejo saiu do Santuário da Matriz, na Rua Direita, em direção ao Cemitério do Carmo, logo após o último dia do Setenário das Dores. Presidindo as cerimônias do Setenário das Dores, com cânticos e ladainha em latim para “meditar” sobre as sete dores de Nossa Senhora, o titular da Paróquia Santa Luzia, em Santa Luzia, padre Felipe Lemos, explicou que a Encomendação das Almas remonta ao período colonial em Minas e veio de Portugal com os colonizadores.

A procissão descendo a Rua Direita

“Muita gente me procurou dizendo que estava com medo de acompanhar uma procissão até o cemitério, e respondi que não devemos ter medo dos mortos, mas sim dos vivos. Este é um momento para lembrarmos e rezarmos pelos falecidos”, disse padre Felipe ao fim do Setenário. Ele adiantou que no domingo de ramos, a partir das 19h30, estará de volta o Ofício de Trevas. Outra novidade está na Caminhada Penitencial, na sexta-feira da Paixão, com início às 5h, sendo levada a imagem de Nossa Senhora das Dores no andor. “Esperamos que as pessoas gostem e possamos manter vivas essas tradições tão antigas e belas”, afirmou padre Felipe.

Segundo pesquisa do integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), Adalberto Mateus, a procissão das Almas é uma tradição muito antiga, herdada dos tempos da Idade Média e que era realizada na última sexta-feira da quaresma. Também denominado Encomendação das Almas, o cortejo retorna às ruas da cidade vizinha a BH após um período de mais de 100 anos de interrupção, como iniciativa do pároco.

Conforme Adalberto Mateus, também presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, o cortejo, no século 19, tinha “um caráter macabro que chamava atenção, e os mais antigos a cidade o consideravam sui generis, tanto pela hora de realização (exatamente à meia-noite) como pelas vestes dos participantes que usavam mantas e capuzes brancos. Tendo à frente a Confraria das Almas, diz o pesquisador, “somente os homens podiam participar da procissão que, saindo da Matriz ou do Cemitério do Carmo, terminava na antiga Cruz das Almas, atual Praça Ari Teixeira da Costa.

Muita gente participou da procissão, renovando a tradição. Foto: Marco Aurélio Fonseca

Adalberto explica que o pesquisador Japhet Lima Dollabela registrou em seu livro Santa Luzia nasceu do rio o passo a passo da procissão que assustava toda a cidade e destaca a contribuição do cenário para o clima que se instalava: “Aqui, ali e acolá, a luz intermitente de um vagalume piscava na noite escura e quieta. Um silêncio pesado se fazia nas ruas desertas, onde nem um seresteiro descuidado se aventurava a uma cantiga, naquela noite. Nas casas, o povo aguardava a procissão com muito medo. Lá fora, ouviam-se apenas os passos cadenciados dos participantes do macabro cortejo, o bater das matracas, as orações rezadas em voz alta e as exortações aos mortos, anunciando a passagem da procissão”.

Uma cena que deve se repetir todos os anos, na última sexta-feira da quaresma. Foto: Marco Aurélio Fonseca

“Passado mais de um século, os tempos são outros, assim como a paisagem que já ganhou o barulho dos carros e a potência das luzes de led que iluminam as ruas”, afirma o integrante do IHGMG. “Mesmo assim, a paróquia promete retomar a tradição de homenagear os falecidos em um momento propício para reflexão sobre a vida durante o período quaresmal”.

Aproximando-se da Igrejinha do Bonfim. Foto: Marco Aurélio Fonseca

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